O interessante em Ventura é como a obra transita por temas de maneira poética, equilibrando melancolia e leveza
“Quem se atreve a me dizer do que é feito o samba? Quem se atreve a me dizer” são os versos imortalizados que abrem o terceiro disco dos Los Hermanos, Ventura (2003). Um trabalho marcado pela genialidade criativa, considerado um dos álbuns mais revolucionários e marcantes não só da carreira da banda, mas da música brasileira contemporânea. Grande parte dessa relevância vem da capacidade do grupo em mesclar gêneros com letras introspectivas e poéticas, capturando a essência de uma geração lidando com dilemas do amor, da passagem do tempo e da busca por um propósito maior na vida.
O interessante em Ventura é como a obra transita por temas de maneira lírica, equilibrando melancolia e leveza. Cada canção reflete sobre as complexidades das relações humanas e as nuances da vida, ao mesmo tempo em que apresenta um casamento sofisticado de gêneros como MPB, samba, e rock alternativo. Isso acrescenta ao disco um caráter atemporal, ao passo que mostra o amadurecimento da banda em relação ao sucesso estrondoso de “Ana Júlia” no primeiro álbum, e a reinvenção estética e sonora iniciada em ‘Bloco do Eu Sozinho’ (2001).
A fusão de estilos em Ventura é especialmente notável em faixas como “Último Romance” e “Do Sétimo Andar”, que capturam a habilidade dos Los Hermanos em transitar entre o lirismo aguçado e arranjos ousados. Os elementos de samba, surgem de maneira sutil, enquanto o rock alternativo traz uma densidade emocional que envolve o ouvinte em uma atmosfera reflexiva e densa. Ao mesmo tempo, há uma influência clara do rock britânico dos anos 90 e a estética da bossa nova, trazendo um ar sofisticado para as composições.
Levando em consideração que o disco surgiu em um período no qual a música brasileira estava se expandindo para além dos limites impostos pela indústria fonográfica convencional. O álbum, ao abraçar essa sonoridade voltada para o plural, acabou se tornado um respiro em meio ao domínio do pop rock e do pagode no início dos anos 2000. Esse ecletismo, aliado a letras que exploram temas como amores não correspondidos, envelhecimento e anseios de paz interior, fez com que Ventura se tornasse uma obra de vanguarda, dialogando diretamente com o ouvinte.
Dessa forma, o disco não só marca uma evolução na trajetória dos Los Hermanos, como também deixa um legado profundo na música brasileira. Com arranjos sofisticados, ele transcende as barreiras de gênero, tornando-se um reflexo da complexidade humana e da cultura pop nacional. Um álbum que, ao transitar entre o denso e o delicado, reafirma o talento do grupo em se reinventar e produzir uma obra-prima que permanece relevante até hoje, canções que se comportam como intemporais e ainda causam aquele mesmo efeito de como se você estivesse ouvindo o disco pela primeira vez.
Ao longo do disco, é notável o crescimento artístico de Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante como compositores, ambos aprofundando suas reflexões sobre a vida, o amor e a passagem do tempo. Enquanto Camelo se debruça sobre o amor e a fragilidade das emoções, Amarante explora temas mais existenciais, trazendo uma harmonização que acaba elevando a obra e enriquecendo ainda mais a experiência do ouvinte.
Faixas como “A Outra” e “O Velho e o Moço” podem muito bem narrar as incertezas e inseguranças da transição da adolescência para a fase adulta, trazendo à tona as dúvidas que surgem nesse período. Essas canções conseguem imprimir toda essa enfermidade e a busca por sentido na vida, algo que permeia a experiência de muitos jovens adultos.
“Cara Estranho”, com sua pegada mais de rock alternativo, fala sobre a superficialidade das interações sociais, as pressões da visibilidade pública e o vazio que acompanha a busca por sucesso e reconhecimento, envolvendo as tensões que alguns rockstars enfrentam ao lidarem com a fama.
Outra parte significativa de Ventura é sua atemporalidade. Embora tenha sido lançado há mais de duas décadas, suas canções continuam ressoando com novas gerações, não apenas pela qualidade e produção caprichada do álbum, mas pela profundidade que suas músicas abordam. Em um mundo cada vez mais superficial e fragmentado, as mensagens de faixas como "Deixa o Verão" e "Samba a Dois" parecem mais atuais do que nunca, elencando a necessidade de encontrar equilíbrio entre os desejos materiais e a busca por paz de espírito.
“De Onde Vem a Calma”, com sua pegada estilo Radiohead, fala sobre buscar serenidade diante da inquietude da vida. Sua letra introspectiva explora a vulnerabilidade e a necessidade de conexão, enquanto sua melodia combina MPB com rock alternativo, criando uma atmosfera contemplativa, perfeita para encerrar essa obra com maestria.
Ventura permanece como um disco significativo e importante na música brasileira, consolidando os Los Hermanos como uma das bandas mais influentes e relevantes dos anos 2000.
Ventura
Los Hermanos
Ano: 2024
Gênero: Indie Rock, Alternativo, MPB
Ouça: "De Onde Vem a Calma", "O Vencedor", "O Velho e o Moço"
Pra quem curte: Terno Rei, Vanguart, Maglore
Humor: Agridoce, Melancólico, Reflexivo
NOTA DO CRÍTICO: 8,5
Ouça "De Onde Vem a Calma"
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