O que esperar de uma parceria entre Bobby Gillespie (Primal Scream) e Jehnny Beth (Savage)? Ambos possuem estilos distintos e pensando nisso, poderia ser muito simples e fácil prever qual seria o resultado de uma colaboração entre eles. Na verdade, ‘Utopian Ashes’ é aquele disco que te “pega” pela alma e coração. São canções sentimentais e melódicas que dissertam sobre os inúmeros pensamentos que surgem em uma dolorosa separação. Como se os dois se abraçassem e fragmentassem as mesmas dores, emoções, diluindo isso tudo em um trabalho soberbo de letras confessionais que funcionam muito bem entre o dueto.
Em toda via o que encontramos são harmonias frias que sintetizam o desespero e o desencontro que acerta em cheio em “English Town” uma canção confessional que desabafa todos aqueles sentimentos acumulados durante anos. Transformar dor em arte é uma dadiva no Rock and Roll e aqui eles acertam de mão-cheia no quesito melancolia. Isso traz o disco para perto do ouvinte com canções honestas e comoventes. Baladas que adoramos ouvir com um copo de cerveja na mão. Em “Remember We Were Lovers” você já vai juntar os cacos do seu coração despedaçado pelo caminho, aqui Gillespie e Beth funcionam como amantes confessionais de histórias de relacionamentos que se desfazem com o passar dos anos deixando apenas estilhaços do que um dia foi uma vida a dois. (Isso já vem de muito tempo Ian Curtis já previa desilusões amorosas nos anos 80 com “Love Will Tears Us Apart). Algo que fica bem axiomático nos lindos versos da canção: “Lembra sermos amantes? Parece muito tempo atrás. Agora o amor é apenas uma memória”.
Essa entrega de ambos ganha proporções cristalinas com aparente simplicidade, Bobby e Beth encontram uma enternecedora, ainda que ligeiramente nostálgica elegia à solidão, à mágoa, de todas as coisas não entendidas nos versos melodiosos de “Your Heart Will Always Be Broken”.
Tanto Gillespie e Beth se desconectam das auras de suas respectivas bandas para abraçar o Soul, Country Rock e o Indie Rock, mas sem deixar de lado, elementos que fazem tanto lembrar o Primal Scream ou o primeiro registro solo de Jehnny ‘To Love Is To Live’ de 2020. Por mais que os dois soem muito bem juntos o contraste entre suas vozes incorpora as diferenças que separam os sentimentos de ambos em cada canção. “Você me pergunta por que não faço mais sexo com você? Bem, sem confiança, como pode haver amor?” questiona Jehnny em “Living A Lie” uma das faixas mais bonitas do álbum e sintetiza todo esse sentimento de distância, partidas, solidão e aproximação.
São canções que retratam o fim do amor, da paixão e soam lúdicas e cativantes. À medida que o disco vai se aproximando do final vai ganhando uma roupagem mais alegre e alto astral, mantendo muito bem o equilíbrio entre a tristeza e a felicidade. Fruto de um processo criativo de dois artistas de gerações diferentes e brilham juntos dividindo suas dores e amarguras da vida. Quem disse que precisamos ser tristes o tempo todo? Ou que devemos ser alegres o tempo todo? Justamente esse contraste de emoções que enaltece e torna a habilidade musical do disco em uma parte vital para o seu sucesso.
‘Utopian Ashes’ chega em um ano onde as relações se encontram fragilizadas, o mundo espalha suas cinzas no ar e no tempo. São nove faixas que fazem o ouvinte mergulhar no seu mais íntimo estado emocional, Bobby Gillespie e Jehnny Beth empurram um dedilhar acústico enganosamente ensolarado em “Sunk In Reverie” um lance teatral- consistentemente divertido-sobre se apaixonar.
Ficha Técnica:
Artista: Bobby Gillespie e Jehnny Beth
Álbum: Utopian Ashes
Lançamento: 2 de julho de 2021
Gênero: Indie Rock, Folk, Country Rock e Rock Alternativo
Ouça: "English Town", "Remember We Were Lovers" e "Your Heart Will Always Be Broken"
Para quem gosta de: Primal Scream e Savage
Ouça o disco no Spotify
Veja o nostálgico clipe de "Remember We Were Lovers" abaixo:
Sobre Marcello
É editor e criador do Teoria Cultural.
Pai da Gabriela, Técnico em Radiologia, flamenguista, amante de filmes de terror, adora bandas como: Radiohead, Teenage Fanclub e Jesus And Mary Chain. Nas horas vagas, gosta de divagar histórias sobre: música, cinema e literatura. marce.almeidasilvaa@gmail.com
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