Se The Times They Are a-Changin’ não é seu disco mais acessível, é um dos mais cruamente sinceros

Lançado em janeiro de 1964, The Times They Are a-Changin’ consolidou Bob Dylan como a voz de uma geração inquieta. Se Freewheelin’ Bob Dylan havia capturado o espírito da juventude com um equilíbrio entre ironia, romance e protesto, este terceiro álbum mergulhou em uma melancolia densa, refletindo um tempo de turbulência social e mudanças iminentes.
Pela primeira vez, Dylan apresentou um disco inteiramente composto por material original, um sinal de que ele já não se apoiava diretamente nos ombros de seus ídolos, mas construía um caminho próprio dentro da tradição folk.
A faixa-título tornou-se um hino imediato. Com versos curtos e diretos, Dylan canalizou a cadência hipnótica das baladas irlandesas e escocesas, como Come All Ye Bold Highway Men e Come All Ye Tender Hearted Maidens, para transmitir uma mensagem urgente. “Essa foi definitivamente uma música com um propósito”, ele disse anos depois. O propósito era claro: capturar o espírito de um mundo à beira da transformação. O movimento pelos direitos civis e a música folk estavam profundamente entrelaçados naquele momento, e Dylan parecia cantar para a história em movimento.
Mas, se havia esperança na mudança, o resto do álbum não iludia ninguém sobre a brutalidade do presente. With God on Our Side expunha a hipocrisia da retórica patriótica, percorrendo guerras e tragédias históricas ao som de uma melodia inspirada na tradicional The Merry Month of May, também usada por Dominic Behan em The Patriot Game. Já Only a Pawn in Their Game analisava o assassinato de Medgar Evers sob um prisma mais frio: Dylan não apontava apenas para o atirador, mas para o sistema que perpetuava o racismo e manipulava as massas.
O álbum também revelou Dylan como um contador de histórias trágicas, sem artifícios ou alívios cômicos. Ballad of Hollis Brown talvez seja sua canção mais devastadora, acompanhada por um riff de dois acordes que se repete como um lamento sem saída. A letra narra o desespero absoluto de um fazendeiro da Dakota do Sul que, esmagado pela miséria, mata sua esposa, seus filhos e, por fim, a si mesmo. O peso da inevitabilidade torna a canção ainda mais angustiante.
Em The Lonesome Death of Hattie Carroll, Dylan reconstrói outro caso real, o assassinato da garçonete afro-americana Hattie Carroll em 1963. Utilizando a melodia da antiga Mary Hamilton, ele relata a história com um misto de indignação e ironia cortante, reservando o golpe final para os versos que descrevem a sentença ínfima dada ao agressor branco, um retrato brutal da justiça seletiva nos Estados Unidos.
Se há alguma doçura no disco, ela vem nas baladas One Too Many Mornings e Boots of Spanish Leather, que equilibram a dureza do restante do repertório com uma melancolia mais pessoal. Mas, mesmo nesses momentos, a leveza é substituída por uma sensação de perda inevitável.
The Times They Are a-Changin’ é um disco sem concessões. Ao contrário do álbum anterior, que ainda trazia lampejos de humor e um espírito mais aventureiro, este trabalho é austero, sombrio e direto. Dylan abandonou qualquer pretensão de entreter e se colocou como um cronista de sua era, disposto a encarar os fatos sem desviar o olhar.
Não é um avanço revolucionário em relação a The Freewheelin’ Bob Dylan, mas é uma afirmação de propósito. Se The Times They Are a-Changin’ não é seu disco mais acessível, é um dos mais cruamente sinceros.
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