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Foto do escritorThaís Sechetin

The Collective é inovador, mas não rotula Kim Gordon apenas como "artista experimental"

'The Collective' é tão autêntico que não pode ser classificado apenas como experimental.

Kim Gordon
Foto: Missy Malouff


Quando pensamos em artistas envelhecendo, podemos lembrar que a maioria deles após certo tempo de carreira, resolvem desacelerar ou fazer um balanço do que foram suas vidas. E muitas vezes essas histórias terminam em algum álbum super emocionante, conclusivo, passando a mensagem de que “olha, acho que isso aqui não vai durar por muito tempo.”


Podemos tomar como exemplo o último álbum dos Rolling Stones, que foi um “apanhadão” dos mais de 60 anos de carreira deles, o qual tem um fim simbólico: um cover de Muddy Waters que deu origem aos Stones e que nunca havia sido gravado. Outro exemplo bem mais sombrio é o Blackstar, de David Bowie, que se tornou uma despedida, lançado no dia do último aniversário dele, dois dias antes de morrer.


Outros exemplos são quando os artistas querem homenagear quem os inspirou, gravando um álbum só de covers, quase sempre sofridos de ouvir. Outros resolvem gravar com artistas mais novos, e é importante deixar claro que nada disso deve ser criticado, nada é ofensivo muito menos proibido. Porém é louvável quando vemos artistas que vão pelo caminho contrário.



E é aí que entra a Kim Gordon. Quase 71 anos de idade, muitos deles dedicados ao Sonic Youth e a um casamento que se dissolveram em um só ato. A parceria entre Kim e o produtor Justin Raisen (John Cole, Yeah Yeah Yeahs) já renderam um excelente trabalho em 2019 e agora se repete, com Anthony Paul Lopez somando ao time.


E o resultado é segundo álbum solo de Kim, chamado 'The Collective', lançado em 08 de março e que não tem nada de álbum retrospectivo ou qualquer coisa que se espere de um artista que já soma algumas décadas na música. Ele tem atitude, agressividade, é jovem o suficiente no ritmo, mas maduro e amargo nas letras, fazendo desse casamento algo que alguns descrevem como “experimental”.


Vejamos: 'The Collective' é tão autêntico que não pode ser classificado apenas como experimental, ele é a Kim sendo a Kim, oras. Ela não surpreende quando surpreende porque ela sempre foi assim. E isso não é nem de longe ruim.



Já começo dizendo que não é um álbum fácil de engolir (e novamente isso não é ruim). É difícil de entender de cara, porque ele é linear, não altera o ritmo e apenas em uma música ou outra ele apresenta nuances. É puramente extraído do dub e do trap e o próprio Justin Raiser declarou em entrevista que facilmente o mostraria pro pessoal do rap. Traz uma sobrecarga sensorial absurda e passa tão rápido que quando você menos percebe, já ouviu metade dele.


A faixa de abertura, 'BYE BYE', já abre o disco com clima claustrofóbico, atirando na nossa cara sobre o quanto somos escravos nesse mundo moderno e consumista. Somos todos chamados de fúteis e alienados, com Kim querendo se libertar de tudo isso na frase final. 'The Candy House' tem mais ou menos a mesma atmosfera, porém com os vocais mais mascarados e algumas rimas. Logo após ouvimos uma pequena alteração na intensidade da batida que contrasta com os quase sussurros de Kim em 'I Don´t Miss My Mind', fechando o primeiro terço do álbum.


A segunda parte dele não é mais suave, seja nas letras ou no instrumental. Kim não facilita, mas continua sendo quase hipnótica em 'I’m A Man', um dos singles do álbum. Nela você ouve um pouco mais de distorção e a letra aborda a masculinidade nos dias atuais, claro, no sentido de nos jogar no colo os inúmeros defeitos desses tempos tão estranhos.


'Trophies' é quase uma vinheta de tão curta, fazendo ponte para 'It’s Dark Inside', cujo nome já aponta para o quão sombria ela é, repleta de sons abafados e distorções, lembrando algumas faixas de 'Tical', icônico álbum do rapper Method Man, lançado nos anos 90. E 'Psychedelic Orgasm” é um outro single do álbum, o último a ser liberado antes de seu lançamento, e que teve direito a um videoclipe descrito como tão desorientador quanto à música. Faixa essa que me lembrou o ritmo de 'This is America', de Childish Gambino.



O álbum mantém até o fim as batidas e a atmosfera sufocante, contudo aumentando mais um pouco o volume: 'Tree House' aposta menos na batida e mais em barulho cru, de sons agudos e microfonia, 'Shelf Warmer' é uma faixa que mantém sua linha de versos mais declamados do que cantados, emendando com a única música do álbum onde você pode identificar alguns riffs, a longa 'The Believers' e encerrando com a frenética 'Dream Dollar', novamente nos mostrando toda a  nossa obsessão pelo supérfluo, e o quanto parecemos robôs repetindo os mesmos termos, alienados.


Quando achamos que o álbum termina de maneira abrupta, Kim surpreende novamente nos brindando com mais alguns segundos de barulho, para só depois disso, a gente poder sentar no chão, sem reação sobre tudo o que não vamos conseguir assimilar de imediato. Foi exatamente nesse lugar que 'The Collective' nos colocou.


Durante as diversas vezes em que ouvi o álbum, não vi muito sentido no que foi dito sobre "surpreender" ou em tecer mil elogios ao experimentalismo de Kim nesse projeto. Penso que a gente não pode e não deve romantizar a maturidade de um artista e ficar tão surpreendido quando ele sai do lugar comum. Ainda mais quando esse artista nunca esteve lá.



Não é uma questão de manter-se jovem, e sim de autenticidade, de ser quem sempre foi, sem nada de surpreendente nisso. E Kim sempre foi diferente: desde a sua sólida formação artística e acadêmica, por ser uma das poucas mulheres na música alternativa e que segurou todas as ondas do Sonic Youth, que não começou sua carreira ainda adolescente e encarou o fim dessa fase de forma digna. Ela É assim e talvez sempre será. E nós agradecemos!

 

The Collective

Kim Gordon


Ano: 2024

Gênero: Alternativo, trap, dub

Ouça: ‘BYE BYE’, ‘I Don´t Miss My Mind’

Para quem gosta de: Free Kitten, Sonic Youth, Harry Crews



 

Nota da crítica: 9,0

 


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