Um disco que se abastece de diversos caminhos criativos, seja em elementos atmosféricos ou por timbres pontuais de guitarras
Nem parece que transpassou tanto tempo assim desde que o Terno Rei surgiu na cena do rock alternativo paulista. A banda foi formada em meados de 2010 pelos amigos Ale Sater, Bruno Paschoal, Greg Maya e Luis Cardoso. O primeiro disco ‘Vigilia’ chegou em 2014, trazendo faixas como “Luz de Bem” e “Quando o Dia Raiou”, o LP deixou claro a capacidade e talento da banda, e já traçava o caminho pelo qual eles iriam trafegar, uma estrada radiante entre o Indie Rock e o Dream Pop, com canções melodiosas de deixar singelas pegadas na alma. ‘Essa Noite Bateu Com um Sonho’ ganhou vida em 2016, um disco focado em canções agridoces e marcantes, com melodias que esbarram em bandas como Ride e Slowdive, resgatando a essência do rock britânico dos anos 90.
Com dois discos no currículo, bagagem de estradas, shows e vivências, o quarteto paulista chegou ao renomado e elogiado terceiro álbum, ‘Violeta’ de 2019, responsável por aumentar o leque de fãs da banda e abrir novas oportunidades e consagrar de vez o Terno Rei como uma das melhores bandas do rock alternativo e indie rock brasileiro. Canções como “Medo” e “Solidão de Volta” imprimem uma gama de sentimentos na alma, e assim se faz todo o ‘Violeta’, um disco para guardar ao lado do peito.
Enquanto esse que vos escreve se encantava com as doces melodias de 'Violeta', tempos difíceis e sombrios davam as caras com algo desconhecido e brutal. Tempos pandêmicos, de isolamento, de mortes, incertezas e (des) governo, que implantaram uma avalanche de sentimentos na cabeça da gente. De repente a vida como acostumávamos conhecer foi virada de ponta-cabeça e nada mais seria como antes. Sentimentos e nostalgia que caíram como uma chuva de lavar a alma no quarto disco do Terno Rei, ‘Gêmeos’, lançado em março de 2022, o novo trabalho do conjunto paulista conseguiu captar toda euforia e angústia desse tempo todo longe dos palcos, longe do contato físico intensificado pelo maior tempo nas redes sociais, que de certa maneira transmitiram um certo conforto mascarado pela doce ilusão de normalidade e de construção de relacionamentos superficiais, longe de beijos e abraços; muito mais do que isso, ‘Gêmeos’ é formado por um conjunto de 12 canções que falam sobre amizade e solidão, com uma sonoridade moderna que combina diversos ritmos que funcionam muito bem no contexto geral do disco.
O novo trabalho contou mais uma vez com a produção de Amadeus de Marchi, Gustavo Schirmer e Janluska, um disco que carrega em suas nuances muito das características que consagraram a banda nos corações dos fãs, como o desamparo narrado pelos singelos versos, entretanto, é um disco que brinda e prova do sabor de novas experiências. A beleza de 'Gêmeos' começa pela bela capa com tons intimistas de verde e azul, com a fotografia de Fernando Mendes e a direção de Greg (da banda). O design responsável pela coloração saturada da foto foi o jovem Felipe Araújo do Rio de Janeiro.
A ordem como cada música chega ao ouvinte se encaixa perfeitamente no universo de emoções e tormentos de longas noites de insônia que atuam como ponteiros de um relógio marcando a hora de despertar para o lado bom da vida.
“Esperando Você” começa com versos singelos que dizem muito sobre os dias que passamos com os pés no acelerador da vida. “Como os dias são pequenos/Eu prefiro ir devagar/Eles querem tudo/E tudo eu não posso dar.” Uma canção minimalista, que traz consigo um turbilhão de emoções e recordações emanadas por uma sonoridade que se divide em um misto de estilos que soam modernos e melancólicos na medida certa. “Dias da Juventude” mantém a atmosfera agridoce sem perder o elo envolvente proporcionado pela combinação de sonoridades e versos poéticos que irão fazer você viajar por toda sua vida sem sair do lugar. “Tarde demais pra voltar/Dias de nostalgia/Onde você vai estar,” diz um dos versos da canção, que de longe deixa aquela similaridade com alguma música do Radiohead, ou pode ser apenas uma imaginação dos lugares que ela pode te levar.
O álbum ganha um ritmo mais acelerado na envolvente e cativante “Difícil” uma canção que parece que foi feita pensada para o retorno aos palcos, com sua sonoridade dançante de notas hiperativas vai soar bem ao vivo. “Brutal” tem uma vibe mais lenta, harmoniosa e tristonha, um estilo soft aconchegante que cativa logo de cara. “Internet” é daquelas feitas para tocar a alma e coração com seus versos grudentos, essa é aquela canção que não vai sair do repeat. “Quero te olhar nos olhos/E todas brigas entre nós/Hoje vou deixar, deixar, deixar, deixar”, diz o refrão melódico da canção.
‘Gêmeos’ é aquele álbum que caberia mencionar todas as doze faixas, porque uma completa a outra, um disco feito com o coração e pelas coisas vivenciadas no decorrer desses 12 anos juntos como uma banda, um trabalho conciso e maduro, movido pela calma e paciência.
São canções que se tornam espelhos de si mesmas e dizem muito sobre esses últimos anos, principalmente sobre 2022, um ano atípico, onde começamos a sentir novamente o sabor de como era nossa antiga normalidade; aprendemos, erramos, brigamos, choramos, rimos de nossas piadas bobas, amamos, desamamos e amamos novamente, cultivamos velhas e novas amizades e vamos reinventando a vida da maneira que der. Assim encerra o disco com a avassaladora e climática "Olha Só" que de certa maneira, conversa abertamente com a faixa que abre o disco.
Não sei como demorei tanto tempo assim, para ouvir um álbum tão bonito, mas, ele me diz muito sobre esse final de ano. Pra ser honesto, uma das melhores coisas que ouvi nos últimos dias. É muito bom quando conseguimos nos encontrar em um álbum, 'Gêmeos' é esse disco que revela primorosamente nossas inquietações, fragilidades e anseios (com gotas de positividade) que intensificaram ainda mais nesses tempos insólitos. "É meia-noite no meu quarto e não tem nada".
Terno Rei
Lançamento: Março de 2022
Gênero: Rock Alternativo, Indie Rock
Selo: Balaclava Records
Ouça: "Internet", "Esperando Você", "Dias da Juventude"
Humor: Nostálgico, Intimista, Melódico
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