O novo álbum, "Javelin", chega num momento pesado para o cantor, diagnosticado com a Síndrome de Guillain-Barré.
O americano Sufjan Stevens tem uma carreira incrível. Chegando a três décadas de atividade, o compositor é inquieto, ousado, multifacetado, participou de muitas colaborações com outros artistas/grupos e sempre é lembrado quando o assunto se trata de novos nomes que mudaram o cenário musical pós-2000.
Embora tenha começado dentro de um panorama indie, sem muito estardalhaço, o músico passou a ser referência para o que veio depois, sobretudo em se tratando dos gêneros Folk, Chamber Pop e Lo-Fi. Praticamente virou um Mainstream, mas sem perder seu jeito criativo, preocupado com letras e arranjos, sem esquecer dos seus primórdios.
Ainda não tão conhecido, já possuía um projeto arrojado. Criar álbuns onde cada um falasse de um estado americano especificamente. Não importa o tempo que fosse preciso. Com esta iniciativa, foram dois discos geniais que merecem estar em sua biblioteca. "Greetings from Michigan: The Great Lake State" (2003) e "Illinoise" (2005). Esses dois trabalhos foram responsáveis por alavancar o crescimento do sucesso de Stevens, de forma justa.
Porém, depois de uma década, o músico passou a engrandecer uma de suas características importantes: criar trabalhos que viessem diferentes entre si. “The Age Of Adz” (2010) trouxe texturas e ritmos eletrônicos. “Carrie And Lowell” (2015) veio como um disco bem intimista, prezando arranjos acústicos e envolto pela névoa da melancolia que chega após a morte de sua mãe. “Aporia” (2020) mostrava a importância do Cinema para sua vida. Um álbum bem apoiado em trilhas sonoras e até na música New Age (uma de suas influências musicais).
O novo álbum, "Javelin", chega num momento pesado para o cantor, diagnosticado com a Síndrome de Guillain-Barré. Entre a recuperação no hospital e o compromisso com a gravação do disco, Sufjan Stevens novamente nos coloca diante de canções primorosas que retratam bem o tempo de sua carreira, sempre num produtivo amadurecimento.
Este é um trabalho que evoca muito do que o compositor criou. Condensa bastante as características dos discos citados nesse texto. Ele, que homenageou sua mãe 8 anos atrás, agora se vê diante da mesma melancolia para se preocupar consigo mesmo, de lançar reflexões sobre um relacionamento sério e verdadeiro que não envolve trocas ou que se esconde em falsidades. Em ‘Will Anybody Ever Love Me’, Sufjan canta: ‘Will anybody ever love me? /For good reasons/Without grievance, not for sport /Will anybody ever love me?'.
Novamente, um disco do cantor que exige múltiplas e atentas audições. Não é um trabalho que agrade prontamente. As estruturas sonoras de suas canções são complexas, difíceis de grudar de primeira em nossas mentes. Camadas, texturas e instrumentos que surgem e crescem gradativamente, que se misturam em harmonias intrincadas. Caso de ‘Goodbye Evergreen’ e ‘Everything That Rises’.
Na verdade, é a transformação de um Folk numa dimensão mais abrangente, ampla, com o adorno acústico ganhando mais corpo, tal qual Bon Iver e Fleet Foxes (pra citar alguns) fizeram nestes últimos anos.
‘Shit Talk’, com seus 8 minutos pungentes, preza pela voz de Stevens que muda de nuance e que depois se junta a vocais femininos. O destaque também vai para a guitarra de Bryce Dessner (The National) que transfere emoção com um belo dedilhado. ‘My Little Red Fox’ segue por um Baroque Pop onde o cantor guarda outro trunfo: fundir elementos do Pop-Rock com a música clássica.
Sufjan Stevens consegue criar um disco que fica entre os melhores de sua discografia. Tentando superar seu problema de saúde e mantendo firme o talento, criatividade e a determinação que permearam sua carreira, compõe um trabalho que chega espetando o coração do ouvinte, tal qual um dardo bem certeiro e eficaz.
Javelin
Sufjan Stevens
Ano: 2023
Gênero: Indie Rock
Ouça: "Shit Talk", "Goodbye Evergreen", "Everything That Rises"
Humor: Peculiar, Melancólico, Inspirador
Pra quem curte: Fleet Foxes, Bon Iver, Adrianne Lenker
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