Star Wars nasceu como crítica ao fascismo — e nunca foi só sobre sabres de luz
- Marcello Almeida
- há 5 dias
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Um épico sobre esperança, mas também sobre resistência

Muito antes de virar parque temático da Disney, Star Wars era um filme sujo, ousado e político. Um manifesto visual contra o autoritarismo, disfarçado de ficção científica.
Quando George Lucas escreveu Uma Nova Esperança, em plena década de 1970, os Estados Unidos ainda digeriam os traumas da Guerra do Vietnã, a renúncia de Nixon e as cicatrizes abertas do racismo institucional. Era uma América em colapso moral. E, nesse cenário, Lucas olhou para a história — e viu nela um aviso. Um padrão. A ascensão de impérios.
A inspiração para o Império Galáctico veio diretamente do nazismo, da retórica fascista de Hitler, mas também da burocracia cínica das grandes potências. Os uniformes dos oficiais imperiais lembram os da SS. A estética é fria, racional, opressora. A Estrela da Morte não é só uma arma — é a arquitetura da dominação.
Mas Lucas também estava de olho no presente
Em entrevistas da época, ele deixava claro: a Aliança Rebelde era um espelho dos Viet Cong. Um grupo pequeno, desorganizado, movido por uma ideia — enfrentando um exército tecnocrático, brutal, com meios infinitos. E a República, essa que vira Império, era um lembrete de como democracias colapsam não com explosões, mas com aplausos.
“É assim que a liberdade morre”, diria Padmé anos depois, “com um estrondoso aplauso.”
Há algo de 1984, de Orwell, pulsando nas veias do Império Galáctico. O controle absoluto da informação, a vigilância constante, a supressão do dissenso — tudo aquilo que o Ministério da Verdade arquitetava na distopia orwelliana aparece diluído na estrutura da galáxia sob domínio de Palpatine. Darth Vader é mais do que um vilão: é a personificação do Estado que vigia, pune e cala. O Império não quer apenas controlar os planetas — quer reescrever a história, apagar os Jedi, silenciar as lembranças de liberdade. Assim como em 1984, a dominação não é só física. É simbólica. É sobre controle de pensamento. E por isso, a Força é mais que poder místico: é uma metáfora de consciência. De despertar. De ruptura com o pensamento único.
Há também em Star Wars uma pitada sombria de Fahrenheit 451, de Ray Bradbury — onde livros são queimados e o pensamento crítico é tratado como crime. No universo criado por George Lucas, o Império não queima livros, mas apaga arquivos, destrói registros, silencia vozes. O extermínio dos Jedi é mais do que físico: é cultural. É o esforço de apagar a memória coletiva, de impor uma narrativa única, estéril, obediente. Assim como os bombeiros de Bradbury incineravam ideias, o Império tenta destruir tudo aquilo que possa despertar consciência. E nesse sentido, os rebeldes são também guardiões de memória. São aqueles que ainda carregam histórias proibidas, saberes esquecidos, verdades incômodas.

A trilogia original é, acima de tudo, uma parábola sobre resistência. Sobre a fé na liberdade. Sobre o custo de manter-se humano em tempos de máquina. Luke Skywalker só vence porque se recusa a se tornar o que combate. Porque acredita que há redenção — mesmo no coração do Império.
E talvez o mais perturbador seja perceber que, hoje, muitos que idolatram Star Wars ignoram — ou se recusam a enxergar — sua essência política. A saga se tornou objeto de consumo entre pessoas que defendem o autoritarismo, o militarismo, o pensamento único. Gente que veste a armadura do Stormtrooper, mas não entende que ele é símbolo da obediência cega. Que compra sabres de luz, mas não compreende que a Força é metáfora de consciência, de empatia, de equilíbrio. É como se Star Wars tivesse sido sequestrado pelo tipo de mentalidade contra a qual ele sempre lutou. Uma distorção que diz muito sobre o nosso tempo — e sobre o quanto a cultura pode ser engolida pelo espetáculo quando o olhar crítico se apaga.
Ao longo das décadas, Star Wars passou a ser interpretado de mil formas. Foi romantizado, diluído, vendido em bonecos. Mas a força real da saga está justamente onde o merchandising não alcança: no seu potencial político, simbólico e ético.
E quando olhamos para o mundo hoje — onde discursos autoritários voltam a ganhar espaço, onde a polarização busca o extermínio do diferente, onde líderes se projetam como salvadores num sistema corrompido — Star Wars volta a ser urgente.
Porque a saga nunca foi neutra.
Porque George Lucas nunca foi ingênuo.
Porque a ficção nunca esteve tão perto da realidade.
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