E segue sendo um disco emblemático e atual
Em 21 de janeiro de 77, o Pink Floyd lançava Animals, um disco que, embora muitas vezes fique à sombra dos gigantes The Dark Side of the Moon (1973) e Wish You Were Here (1975), é uma das obras mais incisivas e politicamente carregadas da banda. Com apenas cinco faixas, Animals não é um disco fácil; ele exige atenção, reflexão e paciência, mas recompensa o ouvinte com uma narrativa poderosa e uma experiência sonora extraordinária. Hoje, essa obra completa 48 anos e revisitamos o contexto, a inspiração e o impacto desse clássico.
A Inglaterra dos anos 70 e a inspiração de Orwell
Para entender Animals, é preciso mergulhar no clima sócio-político da Inglaterra dos anos 70. O país vivia um período de incertezas, marcado por crises econômicas, greves e descontentamento social generalizado. Foi nesse cenário turbulento que Roger Waters, letrista principal da banda, encontrou inspiração para escrever um álbum que analisasse e criticasse as relações de poder e a desigualdade social.
A principal referência literária foi A Revolução dos Bichos, de George Orwell, uma sátira política que retrata a transformação de uma granja numa ditadura corrupta e opressiva. Assim como Orwell dividiu os personagens em categorias animais para simbolizar classes sociais e comportamentos, Waters fez o mesmo em Animals, mas com uma abordagem ainda mais sombria e desencantada.
No universo de Animals, a sociedade é dividida em três arquétipos principais:
• Cães (Dogs): Representam os executivos ambiciosos e impiedosos, que vivem de manipular e explorar os outros, mas acabam destruídos pela própria ganância. A faixa “Dogs”, com seus 17 minutos de duração, é uma das mais icônicas do álbum. O trabalho de David Gilmour aqui é espetacular, desde os riffs envolventes até os solos melancólicos, encapsulando o cinismo que permeia a música.
• Porcos (Pigs – Three Different Ones): São os líderes corruptos e autoritários, que governam de maneira opressiva. Waters entrega uma performance vocal carregada de sarcasmo, enquanto o instrumental mistura tons ácidos e agressivos. A música é um manifesto contra a hipocrisia das elites.
• Ovelhas (Sheep): Representam as massas submissas, que seguem o sistema sem questionar, mas que, em algum momento, se rebelam. “Sheep” é talvez a faixa mais intensa do álbum, com um crescendo dramático e letras que expõem a alienação e a revolta. A performance de Nick Mason na bateria e os sintetizadores de Richard Wright são fundamentais para criar a atmosfera opressiva que define a música.
O álbum é amarrado pelas faixas “Pigs on the Wing (Part 1 & 2)”, duas curtas baladas acústicas que funcionam como prólogo e epílogo, oferecendo uma rara sensação de humanidade e conexão em meio à crítica feroz.
Tensões criativas e o papel de Waters
Animals marcou uma mudança significativa na dinâmica criativa do Pink Floyd. Waters assumiu um controle quase total sobre a concepção e o direcionamento da obra, o que começou a gerar tensões dentro da banda. David Gilmour, Richard Wright e Nick Mason contribuíram de maneira significativa, especialmente no instrumental, mas as letras e o conceito central foram inteiramente moldados por Waters.
Essa centralização criativa fez de Animals um álbum profundamente pessoal e político, mas também pavimentou o caminho para os conflitos que culminariam em The Wall (1979) e, eventualmente, na saída de Waters nos anos 80.
Animals e o tempo
Apesar de não ter alcançado o mesmo sucesso comercial imediato de seus antecessores, o disco envelheceu como uma obra essencial na discografia da banda. Sua abordagem crua e direta ressoa tanto hoje quanto em 1977, numa época em que as desigualdades sociais e os abusos de poder permanecem temas relevantes.
Além disso, a iconografia do álbum – com a capa icônica da Battersea Power Station e o porco inflável flutuando entre as chaminés – se tornou uma das imagens mais reconhecíveis da cultura pop.
Completando 48 anos, Animals continua sendo uma obra de arte desafiadora e atemporal. É um álbum que nos força a refletir sobre as estruturas sociais, os comportamentos humanos e nossa própria posição nesse grande esquema de poder e opressão. Mais do que um disco, Animals é uma fábula moderna que permanece tão urgente e relevante quanto no dia de seu lançamento.
Qual é a sua faixa favorita? Ou melhor: que tipo de animal você acha que seria nessa história?
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