Absolutamente um candidato a melhor filme de animação deste ano
Pinóquio de Guillermo del Toro, disponível na Netflix, é uma verdadeira ode as animações em stop-motion e um marco gracioso para todos os fãs da história do menino de madeira que acaba embarcando em aventuras que transcendem mundos e edifica o verdadeiro poder do amor. Para essa jornada que se tornou o grande projeto de sua vida, del Toro se uniu ao especialista e a lenda do stop-motion, Mark Gustafson para dar vida a essa nova jornada de Gepeto e Pinóquio.
Um projeto que começou dez anos atrás, com Toro preparando roteiro, cenários e ambientações detalhadamente, esperando algum estúdio aprovar sua ideia. Porém, a técnica stop-motion não agrada muito aos estúdios cinematográficos pelo enorme trabalho e custos financeiros. Pinóquio ficou em espera até a Netflix dar carta-branca para a produção. O resultado não poderia ser outro, é primoroso. O cineasta expõe com a alma e coração sua paixão ao reimaginar o clássico conto de Carlo Collodi, de 1883, que vai te deixar com coração aquecido e inúmeras reflexões sobre a vida, morte, guerra, fascismo e aceitação.
Talvez para muitos o clássico Pinóquio de 1940, seja imbatível pelo sentimento nostálgico envolvido. A obra teve inúmeras adaptações para a TV, cinema e animação, mas essa nova adaptação de Guillermo, é a que mais chama atenção pela maneira como o cineasta pegou elementos clássicos da obra e adaptou para sua versão de Pinóquio de 2022, em uma Itália sucumbida pelo fascismo e autoritarismo de Mussolini como pano de fundo para contar essa história sensível e bonita sobre a vida e o amor. Uma jornada de autoconhecimento, traçado sob a visão de um boneco de madeira que precisa achar o seu lugar em um mundo repleto de malícias e oportunismo.
Del Toro simplesmente abraçou com unhas e dentes a arte poética no artesanato e deu vida a uma das melhores animações em stop-motion dos últimos anos. Ele simplesmente conseguiu trazer o clássico conto para os nossos dias atuais, destacando temas que contextualizam com nossa realidade. Muitos dos questionamentos e sentimentos de Pinóquio, você já sentiu em algum determinado ponto da vida. Entretanto, Guillermo tem um jeito único e distinto de jogar isso na tela, seja com diálogos, imagens e movimentos deslumbrantes que só a técnica stop-motion oferece.
Transportado para uma Itália dos anos 30, sob o comando do fascista Mussolini, Gepeto (David Bradley) cria Pinóquio (Gregory Mann) movido pela embriagues, reflexo de pura tristeza por ter perdido seu amado filho Carlo em um cenário devastador e sombrio. Essa parte de Pinóquio é abastecida por uma atmosfera sombria, árida e profunda. Características marcantes do trabalho de Del Toro que ficaram evidentes em obras como o sensacional ‘Labirinto do Fauno’, de 2006 e 'A Forma da Água', de 2017.
Até a mesmo a Fada Azul que lhe concede a vida, aqui ganha características de um personagem de del Toro (apropriadamente dublada por Tilda Swinton). O Grilo falante, aqui chamado de Sebastian (Ewan McGregor), que assume o papel de consciência e guia de Pinóquio, tem suas particularidades como um escritor falido. O trabalho em stop-motion é muito minimalista, repleto de detalhes, e isso fica nítido nos movimentos dos personagens, afeições, nas ondas do mar, ou até mesmo na criatura marinha retorcida. Os detalhes são precisos e realistas; contém um primor de pintura sensacional, registrado a cada movimento de Pinóquio. Suas risadas, gargalhadas e cantorias sobre a vida, repletas de questionamentos sobre o que ele realmente é nesse mundo, são narradas de maneira emocional e profunda com uma dose de realismo impressionante.
Uma obra-prima do stop-motion. Visualmente deslumbrante e cativante. Com certeza você terá momentos emocionantes com Pinóquio de Guillermo del Toro.
Detalhes para o luar que ganha os cenários da narrativa, a igreja, o macaco e seu dono oportunista e explorador que enxerga em Pinóquio uma oportunidade de se dar bem com seu circo. Del Toro vai recheando sua narrativa com temas relevantes e atuais, sejam eles existencialistas ou políticos. Tudo encaixado perfeitamente sem ofuscar o amor e os laços de pai e filho na história. O cineasta investe tempo na construção do dilema de Gepeto lidando com o sentimento da morte e ausência, tentando construir em Pinóquio a imagem do seu falecido filho.
Os laços de pai e filho entre Gepeto e o boneco de madeira são profundos, repletos de passagens bonitas, e dizem muito sobre a vida, sobre o amor, sobre descobrir nosso verdadeiro valor sem precisar mudar quem somos para isso. Isso fica nítido em uma cena na igreja onde Pinóquio faz um questionamento relevante e interessante para o seu pai Gepeto. Considerando que a história se passa em uma Itália do século 30, dominada pelo fascismo e fanatismo durante a Segunda Guerra Mundial. A resposta de Gepeto para Pinóquio reflete muito do mundo moderno atual. No meio disso tudo ainda encontramos o discurso nacionalista de amor à pátria, honra e coragem para justificar a guerra para as crianças.
Além do interesse de Del Toro na naturalidade inerente de Pinóquio no trabalho manual e detalhista que o criou, há muito pouco aqui que realmente o ligue a história original de Collodi. O filme ganha riqueza de vida muito por conta disso. Essa é uma nova versão de Pinóquio, sob o olhar de Del Toro, onde ele pode retornar a um dos seus temas mais proeminentes: a desumanidade do fascismo e suas ideias rigorosas e fanáticas de conformidade e masculinidade. Tudo isso amparado por uma trilha sonora fabulosa composta por Alexandre Desplat.
Por hora, pode parecer muito para uma história que veio de um conto de fantasia voltado para crianças. A verdade, é que Pinóquio é mais adulto do que você imagina. Aborda temas sombrios e pesados. Acontece que a franqueza e sensibilidade de Guillermo del Toro sobre esses tópicos fala diretamente sobre o poder da inocência de uma criança. Pinóquio pode muito bem ser rotulado de esquisito e aberração apenas porque não está habituado e familiarizado com as loucuras cruéis da sociedade adulta.
O reflexo dessa crueldade é espelhado no personagem do oficial fascista da cidade (Ron Perlman), que força os meninos a participarem de um acampamento juvenil para retratar e encenar a guerra. Porém, a bondade nos corações das crianças e suas ingenuidades sobre assuntos adultos sobressaem. O bem sempre acaba vencendo o mal.
O desafio em Pinóquio, concentra-se em você adulto assistir ao filme e não ser motivado ou tocado pelo amor que esse boneco de madeira sente pela vida. Uma adaptação visualmente impressionante que cumpre honestamente seu título- abraçando o lado sombrio da história original.
Pinóquio de Guillermo del Toro
Ano: 2022
País: EUA/México/França
Direção: Gullermo del Toro
Roteiro: Guillermo del Toro
Elenco: Ewan McGregor, Tilda Swinton, Cate Blanchett, Finn Wolfhard, David Bradley, Gregory Mann e outros
Duração: 117 min
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