Longa de Scott Derrickson entrega trama que tende a agradar mesmo aqueles que não apreciam muito o gênero.
Crescer não é definitivamente algo fácil. E quando a infância vai ficando para trás e é preciso se deparar com as novidades – muitas delas nada agradáveis – que são vivenciadas no exercício constante da rotina diária, surgem todos os tipos de fantasmas, sombras e monstros que invadem essa fase da vida com um turbilhão de dúvidas, medos e inseguranças.
Necessidade de pertencimento, desejo de aceitação, inadequação quanto a certos espaços de convivência (em muitos casos, isto pode incluir o próprio lar) e imensa gama de incertezas diversas são fatores que modulam as rápidas mudanças apresentadas no árduo início de amadurecimento.
É final da década de 1970, estado do Colorado. Cabelos, figurinos e o rock de grupos como Sweet ajudam a compor toda aquela ambientação. Finney, personagem vivido por um talentoso e promissor Mason Thames, está inserido em um núcleo na trama em meio às questões elencadas mais acima, as quais vão se evidenciando à medida que a história se desenvolve. Ele, Finn, como também é conhecido pelos mais próximos, e sua irmã Gwen carregam o fardo de conviver com a ausência materna, tentam suportar o tédio assistindo a programas de TV e ainda há a figura do pai amargo, atormentado e bruto, sempre tentado pelo alcoolismo.
O ambiente externo também não alivia o garoto com algum momento de paz. O inferno escolar se faz notório, com todas aquelas coisas pavorosas que assombram os considerados mais fracos, tímidos e ineptos. Bullying, violência e sucessivos fracassos na tentativa de impressionar a garota dos sonhos marcam o cotidiano de Finn enquanto aluno. Porém, ele tem a sorte de ter como melhor amigo o menino forte, corajoso e valente, capaz de intimidar os seus covardes agressores.
Sorte maior ainda é ter uma irmã como Gwen. E aqui não tem como deixar de apontar o brilhantismo, desenvoltura e poder da pequena Madeleine McGraw, uma verdadeira gigante-mirim em cena. Gwen é o porto seguro de Finn, seu apoio incondicional e a sua luz naqueles dias nebulosos e turbulentos. Além do carisma, vigor, presença e inteligência, a irmãzinha “herdou” algo de sua mãe que a diferencia na trama como uma figura de força marcante na condução da narrativa.
Como se não bastasse todo esse cenário conflituoso e tão desfavorável assolando a dupla, há um sequestrador – suposto serial killer - rondando a região em que eles moram, suspeito pelo desaparecimento de vários garotos. Finn terá o azar de cruzar certo dia com ele e se tornar mais uma de suas vítimas. Ethan Hawke, o tempo todo mascarado, encarna o criminoso, com uma presença inquieta, ameaçadora e assombrosa em cena. O ator já havia estrelado um grande filme de terror dirigido por Scott Derrickson, ‘A Entidade’, seguramente um dos melhores e mais assustadores dos últimos dez anos. Aqui Hawke já não ganha o mesmo tamanho como o sádico vilão, porém o desconforto causado com suas breves aparições já é capaz de inserir o sequestrador mascarado no imaginário dos fãs do gênero como mais um daqueles monstros terrivelmente inesquecíveis.
O pequeno protagonista se vê então aprisionado em um velho porão tenebroso, sujo e mórbido. Numa das paredes, está fixado um aparelho telefônico obsoleto e inservível. Curiosamente, o objeto de aparente insignificância que nomeia o título da produção é que norteará o personagem principal a algum resquício de esperança capaz de resgatá-lo daquele destino sombrio e aterrador. A vida prega muitas peças e são constantes aqueles momentos em que uma simples ligação telefônica atendida pode certamente salvar o dia. No caso de Finn, ele acaba dependendo de inexplicáveis chamadas oriundas do referido telefone desligado para tentar manter sua existência, cada vez mais ameaçada com o passar lento das horas naquele ambiente claustrofóbico, insano e sufocante. Sim, o sobrenatural se faz então parte da história e é trabalhado de tal maneira que, com a devida persuasão e astúcia, não prejudica em nada o desenvolvimento apresentado nos atos e tampouco compromete a saliência dos personagens. A claustrofobia que é imposta é um dos muitos resultados grandiosos da direção precisa e aprimorada de Derrickson.
Longa de Scott Derrickson entrega trama que tende a agradar mesmo aqueles que não apreciam muito o gênero e se destaca pelo empenho de revigorá-lo com certo frescor nesses tempos recentes de reabertura das salas de cinema.
O filme não coloca o espectador diante de uma espécie de “reinvenção da roda” nessa categoria e muito do que é apresentado já constituiu diversas outras obras anteriores. Dá para afirmar, sem qualquer hesitação, que ‘O Telefone Preto’ é acessível, daqueles filmes que não são difíceis de gostar. Mesmo quem não é afeito a seres aterrorizantes e a histórias macabras pode se deixar levar ou, melhor, se deixar prender pelos 103 minutos magnetizantes na tela. Fãs de ‘It – A Coisa’, ‘Seven’, ‘O Silêncio dos Inocentes’, ‘Stranger Things’ ou mesmo dos adoráveis clássicos teens oitentistas dos bons tempos da Sessão da Tarde poderão adotar de vez ‘O Telefone Preto’ para a sua galeria de preferências. Sem falar nos leitores de Stephen King. Aliás, o autor do conto original que fomentou o roteiro é nada mais nada menos que Joe Hill, filho do célebre e consagrado escritor.
Com o sucesso obtido (boas críticas e bilheteria polpuda), há rumores de uma possível sequência e, sabe-se lá, a criação de uma provável franquia de retorno garantido, como ‘Pânico’, só para citar um exemplo bastante representativo. As máscaras do sequestrador se tornarão tão presentes, portanto, como símbolo e como produto, algo semelhante à tão famosa do assassino Ghostface. Mérito do lendário Tom Savini. Interessante seria mesmo não levar esse projeto adiante, preservando a boa aceitação do filme e mantendo a obra livre do desgaste, mas dinheiro sempre chama mais dinheiro nessa indústria e uma produtora como a Blumhouse não vai querer perder esse filão rentável de forma alguma. Isso é praticamente certo, agora que encontrou sua mina de ouro. Mas será que atender às próximas ligações terá o mesmo impacto? É aguardar para ver.
‘O Telefone Preto’ já fixou a sua marca ao abordar também, nesse complexo processo refletido em tela, que é crescer e amadurecer, questões como amizade, solidificação familiar, luto, perda, lealdade e solidão.
Para não ser arremessado rumo aos porões escuros da vida pelas porradas que esta desfere, às vezes é preciso arrancar forças dos meios mais improváveis e contar com a ajuda de quem menos se espera. A jornada de libertação pode ser dolorosa e assustadora. Também edificante e recompensadora, mas, como o notável adolescente protagonista Finney constatou, fácil jamais.
O Telefone Preto
The Black Phone
Ano: 2022
País: EUA
Classificação: 16 anos
Duração: 102 min
Direção: Scott Derrickson
Roteiro: C. Robert Cargill, Scott Derrickson
Elenco: Ethan Hawke, Madeleine McGraw, Mason Thames
Excelente 👏👏👏👏