A moral que o filme deseja passar fica em frases e diálogos marcantes.
Filmes que tratam dos desejos de algum personagem que está na iminência de morrer são recorrentes no Cinema. O tempo que vai se esgotando, a sabedoria infalível de que a vida é efêmera, a vontade de deixar medos para trás e ser mais ousado. Um belo exemplo a ser dado aqui é Antes de Partir (2007) onde Morgan Freeman e Jack Nicholson fazem o papel de dois pacientes terminais que decidem fazer uma lista de coisas antes de morrerem e, para isso, fogem do hospital que estão internados.
A ideia é praticamente a mesma em O Livro dos Sonhos (La Chambre Des Marveilles, 2023) da diretora Lisa Azuelos. No filme francês, Thelma Carrez (Alexandra Lamy) vê seu filho Louis (Hugo Questel) ficar em coma após um atropelamento. Ao encontrar o caderno de desenhos do filho, percebe que ele tinha 10 desejos para realizar antes que o mundo acabasse. A mulher então resolve colocar em prática esses desejos, mas nem tudo será fácil para ela.
Tentando não ser amargo ao extremo, a película conta com muitas paisagens exuberantes, que vão desde a região costeira bucólica de Edimburgo (Escócia) passando pelo cenário urbano agitado de Tóquio. Inclusive, essa passagem pelo Japão mostra um dos pontos altos do filme quando Thelma tenta ganhar o autógrafo de um desenhista de mangá que prefere viver recluso e que não gosta de aparecer para os fãs (e o fechamento dessa parte acaba surpreendendo).
Entre visitas ao filho no hospital e a mudança de sua rotina que a obriga até a se desligar do emprego, a determinada mãe fica diante de ações que mudam sua perspectiva de vida e lhe obrigam a realizar tarefas inusitadas e além de suas capacidades.
Embora expresse muito bem a força da maternidade e foque na determinação e superação de Thelma, estamos diante de um filme indicado para qualquer tipo de espectador (como também ficou sugerido no francês Contratempos).
A trilha sonora, bastante presente e diversificada, confere o tom certeiro em passagens marcantes e decisivas da trama (onde a fotografia pesa bastante, exemplo é a cena na praia). Essa variedade engloba gêneros e grupos distintos como o Folk-Rock dos islandeses do Kaleo ('Vor Í Vaglaskógi'), a melancolia agridoce do London Grammar (‘Nightcall’) e mesmo a Eletrônica festiva da dupla francesa Polo & Pan ('Pays Imaginaire').
Outro peso na película é o elenco. Com uma atuação estupenda de Alexandra Lamy digna de personificar uma mãe que transforma sua amargura em algo gigantesco, ainda podemos ressaltar a experiente Muriel Robin que, no papel de avó de Louis, é capaz de trazer um equilíbrio entre a sutil comédia e o contorno mais dramático para a narrativa.
Uma curiosidade é a presença da atriz brasileira Maria Fernanda Cândido, aqui no papel de Paula, uma instrutora de mergulho (interessante ver a atriz depois de muito tempo, embora ela faça uma pequena ponta neste filme). Mesmo outros personagens secundários como Fátima (Carima Amarouche), outra mãe que espera a filha sair do coma, colaboram muito para os sentimentos que o filme deseja passar, além de intensificar a ideia da maternidade e de família.
A moral que o filme deseja passar fica em frases e diálogos marcantes. E é a própria Thelma que nos joga essa sabedoria em narrações que justificam seus atos. Como ela mesma afirma, ‘nada pode atrapalhar o amor infinito entre uma mãe e seu filho’. Ou então, numa passagem fantástica perto do final, diz: ‘a vida é como um eletroencefalograma, uma linha reta significa morte’.
O desejo final de Louis é que vai desnortear o espectador. Esteja preparado. O espectador, claro, poderá interpretar de múltiplas formas. Sabem aquele desfecho que a gente precisa se sentar ao lado de outro cinéfilo e debater sobre o que foi passado ali? Pois então.
Mas isso é cinema. Ser catártico. Ensinar em sua forma de entretenimento. Mostrar que a vida passa de forma rápida e que podemos nos transformar para mudarmos o pesar que costuma circular por nossos caminhos.
O Livro Dos Sonhos
La Chambre Des Merveilles
Ano: 2023
País: França
Gênero: Drama
Direção: Lisa Azuelos
Roteiro: Fabien Suarez, Juliette Sales
Duração: 94 min
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