Apesar de suas falhas, o filme é um presente para os fãs e um testemunho do poder do cinema brasileiro em contar histórias com autenticidade
A decisão de fazer uma continuação de um filme consolidado sempre gera debates. É uma tentativa de capitalizar sobre o sucesso anterior? Ou é uma resposta ao público sedento por revisitar personagens e histórias icônicas? Em "O Auto da Compadecida 2", lançado em 2024, vemos um reencontro emocionante com Chicó e João Grilo, desta vez em uma trama que celebra o legado de Ariano Suassuna, exalta a cultura nordestina e mistura humor, poesia e emoção.
Após 20 anos, João Grilo (Matheus Nachtergaele) retorna a Taperoá, onde é tratado como uma figura quase mística devido à história de sua ressurreição milagrosa. Seu status desperta o interesse de políticos corruptos, enquanto Chicó (Selton Mello), seu fiel escudeiro, narra os acontecimentos com a leveza e o tom poético característicos. A dupla se envolve em novas confusões, repletas de malandragem, críticas sociais e reviravoltas.
Diferente do filme de 2000, inspirado diretamente no livro homônimo de Ariano, a continuação traz histórias inéditas baseadas em causos e adaptações de outras obras do autor, desenvolvidas com a aprovação de sua família. Isso confere à trama um frescor respeitoso e mantém viva a essência do escritor. A narrativa assume o formato de literatura de cordel, com Chicó como um contador de histórias que guia o público por uma mistura de comédia, aventura e reflexões profundas.
Selton Mello e Matheus Nachtergaele brilham em suas atuações, trazendo maturidade e novas camadas aos personagens. Nachtergaele, em especial, transforma João Grilo em um personagem complexo, que transita entre humor e otimismo, sem perder o apelo emocional. A química entre os dois é novamente o coração do filme, ressaltando a amizade e os laços que transcendem o tempo.
Virginia Cavendish (Rosinha) e Enrique Díaz (Joaquim Brejeiro) retornam com atuações mais profundas e maduras, enquanto os novos personagens, interpretados por Eduardo Sterblitch, Luís Miranda, Humberto Martins e Fabiula Nascimento, trazem frescor e complexidade à trama. Juntos, eles abordam temas como corrupção, desigualdade e os desafios da vida no sertão com um equilíbrio entre humor e crítica social onde uns atuam muito bem e outros com falhas por conta da falta de profundidade de seu enredo.
Taís Araújo assume o papel de Nossa Senhora Aparecida, substituindo Fernanda Montenegro, e entrega uma atuação admirável, cheia de carisma e sensibilidade, que se destaca como um ponto alto da produção.
Apesar do roteiro bom e bem estruturado ele tem falhas pois ele poderia ser mais aprofundado. O mesmo vale para a direção de Guel Arraes e Flávia Lacerda que possui erros incomodativos. A decisão de filmar em estúdios com telas de LED, em vez de locações no sertão nordestino, compromete a autenticidade visual. Ainda assim, a trilha sonora se destaca, especialmente com João Gomes interpretando "Canção da América", de Milton Nascimento, e Maria Bethânia emocionando com "Fiadeira", uma homenagem à Nossa Senhora Aparecida.
"O Auto da Compadecida 2" é uma sequência que respeita a obra original, ainda que não alcance o mesmo impacto do filme de 2000. Com uma narrativa que celebra a cultura nordestina e presta homenagem ao legado de Ariano Suassuna, a produção oferece uma experiência divertida e reflexiva. Apesar de suas falhas, o filme é um presente para os fãs e um testemunho do poder do cinema brasileiro em contar histórias com autenticidade.
O Auto da Compadecida 2
País: Brasil
Ano: 2024
Duração: 114 minutos
Gênero: Comédia Dramática, Fantasia
Elenco: Selton Mello, Matheus Nachtergaele, Taís Araújo
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