O texto abaixo contém gatilhos de violência
Polly, uma das canções mais enigmáticas e perturbadoras do álbum Nevermind do Nirvana, transcende a imagem de uma balada acústica suave para revelar a sombria inspiração de Kurt Cobain. Em 1991, o álbum com o icônico bebê na capa foi lançado, e essa faixa em especial, a sexta do disco, carrega uma narrativa desconfortável e impactante, baseada em uma história real de abuso/sequestro e estupro. Por trás da melodia calma, esconde-se uma letra que provoca e incomoda, transportando o ouvinte para um episódio real de violência contra a mulher.
A canção chegou a arrancar aplausos do icônico Bob Dylan. "Polly" aborda um tema perturbador e infelizmente recorrente em nossa atualidade.
Inspiração e Tragédia: Tacoma, 1987
A composição de Polly foi inspirada por um crime ocorrido em Tacoma, Washington, em 1987. Cobain ficou profundamente tocado pela história de uma jovem de 14 anos que, ao sair de um show de punk rock, aceitou carona de Gerald Arthur Friend, um criminoso reincidente. A jovem foi sequestrada, torturada e abusada no motorhome do agressor, mas conseguiu escapar quando ele parou em um posto de gasolina. Dias depois, Friend foi capturado e condenado a 75 anos de prisão. Este episódio impactante marcou Kurt a ponto de ele transformar a experiência em uma canção que narra a situação pela perspectiva do agressor.
Polly wants a cracker (Polly quer um biscoito)
I think I should get off her first (Acho que devo sair de cima dela primeiro)I think she wants some water (Acho que ela quer um pouco de água)
To put out the blow torch (Para apagar o fogo)
Isn’t me, have a seed (Não sou eu, tome uma semente)
Let me clip your dirty wings (Deixe-me cortar suas asas sujas)
Let me take a ride, cut yourself (Deixe-me dar uma volta, corte-se)
Want some help, please myself (Quer ajuda, satisfaça-me)
Polly: Um contraste entre melodia e brutalidade
O contraste entre a suavidade da melodia e a brutalidade do tema em Polly reforça o efeito de choque que Cobain desejava provocar. A escolha de uma abordagem acústica e introspectiva permite que o ouvinte baixe a guarda antes de se confrontar com a crueza da letra, revelando a maestria de Cobain em abordar temas difíceis com uma sutileza incômoda. Essa dualidade musical e lírica ilustra como a música pode ser uma ferramenta de conscientização, ao mesmo tempo em que expõe o ouvinte a realidades muitas vezes ignoradas.
Kurt Cobain e o feminismo nos anos 90
Cobain foi vocal sobre seu desconforto com letras machistas e frequentemente se alinhava ao feminismo, uma postura rara entre ícones do rock dos anos 90. Desde jovem, ele criticava o tratamento desrespeitoso que observava em relação às mulheres e preferia a companhia feminina por se sentir mais identificado com seus valores. Essa perspectiva influenciou várias de suas composições, incluindo a poderosa Rape Me, de In Utero (1993), outra canção de denúncia sobre o abuso, que aborda o tema sob o ponto de vista feminino.
Uma Canção para causar impacto
Polly tornou-se um símbolo de como Cobain usava sua música não apenas como forma de expressão artística, mas também como um meio de provocar uma reflexão social. Em entrevistas, o vocalista discutia o incômodo que sentia com a misoginia e deixava claro seu desejo de desafiar o público, tocando em assuntos considerados tabus.
Violência contra a mulher: saiba como denunciar
De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha, a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), uma em cada quatro mulheres brasileiras com mais de 16 anos relatou ter sofrido algum tipo de violência ao longo do último ano, algo que se intensificou durante o período da pandemia de Covid-19.
Conforme observado nas edições anteriores da pesquisa, realizadas em 2017 e 2019, a maioria das mulheres sofreu violência dentro de sua própria residência, sendo os agressores geralmente pessoas conhecidas das vítimas. Abaixo, estão indicadas orientações para denúncia e busca de ajuda.
Em situação de emergência: disque 190
Este é o telefone da Polícia Militar, destinado para casos de urgência e situações que exigem socorro imediato.
Campanha Sinal Vermelho
Em junho de 2020, o Conselho Nacional de Justiça, em parceria com a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), lançou a campanha Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica. A campanha permite que mulheres solicitem ajuda em farmácias, órgãos públicos e agências bancárias, sinalizando com um "X" vermelho na palma da mão.
Central de Atendimento à Mulher: Ligue 180
O Ligue 180 oferece acolhimento e apoio a mulheres em situação de violência, registrando e encaminhando denúncias aos órgãos competentes. Também recebe reclamações, sugestões e elogios sobre serviços de atendimento. O atendimento é gratuito, 24 horas por dia, todos os dias da semana, e está disponível em todo o território nacional e em outros países.
Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs)
As DEAMs são unidades da Polícia Civil especializadas no atendimento a mulheres em situação de violência, com atuação preventiva e repressiva. Suas ações envolvem prevenção, investigação e enquadramento legal, com base no respeito aos direitos humanos e aos princípios do Estado Democrático de Direito.
Núcleos ou Postos de Atendimento à Mulher em delegacias comuns
Esses núcleos funcionam dentro de delegacias convencionais, oferecendo atendimento especializado a mulheres em situação de violência, geralmente com equipe própria.
Defensorias Públicas e Defensorias da Mulher
As Defensorias da Mulher oferecem assistência jurídica e orientação a mulheres em situação de violência. São órgãos estatais que auxiliam cidadãs que não possuem condições econômicas de contratar advogados, ampliando o acesso à Justiça e garantindo o acompanhamento jurídico necessário.
Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos
Denúncias podem ser realizadas pelo site da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, disponível no portal do Governo Federal: https://www.gov.br/mdh/pt-br/ondh.
Medida protetiva
Em caso de necessidade, a vítima pode solicitar uma medida protetiva pelo aplicativo Maria da Penha Virtual, pelo telefone 197, ou diretamente em uma defensoria pública.
(Fonte: CNJ, G1, Senado Federal, www.gov.br.)
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