O filme de Berger aborda de maneira assombrosa o romantismo do conflito pelo discurso nacionalista
‘Nada de Novo no Front’ do diretor Edward Berger, narra a hostil jornada de um jovem soldado alemão na frente Ocidental da Primeira Guerra Mundial. Paul Bäumer (o estreante Felix Kammerer) e seus amigos presenciam desesperadamente como a euforia da guerra logo se transforma em uma luta de sobrevivência, pânico e medo enquanto fazem de tudo para se manterem vivos nas trincheiras. O longa de Berger é baseado no best-seller mundialmente conhecido de mesmo nome do escritor Erich Maria Remarque.
O romance de Erich ganhou uma adaptação cinematográfica em 1930, pelas mãos do saudoso cineasta Lewis Milestone, que conquistou o Oscar de Melhor Filme. Anos depois, 1979, o romance voltaria para as telas através de um filme de TV intitulado Adeus à Inocência. E agora pela grande produção alemã da Netflix, com Berger sob o comando. Por mais que a nova produção distorça um pouco a Primeira Guerra Mundial, existe um conjunto entre direção, roteiro, atuações e fotografia que imprimem honestamente o lado sombrio e angustiante de estar envolvido em um conflito mundial. Portanto, Berger não faz feio, e cumpre a proposta do longa.
O diretor segue a narrativa do romance de Remarque, baseado em suas próprias experiências traumatizantes como um jovem soldado alemão nas trincheiras da França, essa é a primeira adaptação cinematográfica do romance em língua alemã, pontos para a Netflix e para o diretor Edward Berger.
Munido de uma fotografia pontual e certeira comandada pelo talentoso James Friend, a narrativa consegue externar e imprimir angustiantemente o retrato do perigo do nacionalismo, do combate, das mortes, das cicatrizes físicas e psicológicas produzidas por um cenário brutal e violento. São detalhes que fazem do novo filme, uma produção que justapõem a industrialização emergente e a intimidade atemporal da guerra.
O longa foi o escolhido pela Alemanha para representar o país na briga de melhor filme internacional do Oscar 2023. Uma escolha pontual. Uma aposta de peso, considerando toda produção cinematográfica para trazer para perto do telespectador os horrores da guerra, Berger traça um olhar distinto sobre esse acontecimento histórico.
O filme de Berger aborda de maneira assombrosa o romantismo do conflito pelo discurso nacionalista.
O verdadeiro horror no longa alemão está estampado nos olhares daqueles jovens inocentes e ingênuos. Em muitos momentos você pode se deparar com cenas que você já viu em outros filmes, como o soberbo ‘O Resgate do Soldado Ryan’, ou até mesmo o clássico de Stanley Kubrick 'Glória Feita de Sangue' de 1957. Porém, 'Nada de Novo no Front' possui um roteiro bem trabalhado, os efeitos são muito bons e as atuações conseguem transmitir toda tensão daquele campo de batalha. O filme não se prende em tentar compreender totalmente a guerra – quem a entende de fato?
A narrativa se porta ativa e inquietante, não apela para fórmulas de super-heróis, ou busca alicerce em uma virada sentimental, muito pelo contrário, os momentos de calmaria duram pouco, e quando você acredita que aqueles rapazes terão um momento de alívio, esse conforto nos é tirado por inúmeras rajadas de balas, explosões e corpos mutilados. Nesse aspecto o filme consegue soar autentico, potente e brutal. Para alguns pode parecer mais do mesmo, mas a guerra é isso, não tem como mudar os fatos e as cenas de combates, você vai ver muito tiro, explosões, morte, corpos dilacerados por bombas e muita miséria e lama. Não dá para utilizar a licença poética e romantizar algo brutal e cruel. ‘Nada de Novo no Front’ consegue alcançar o seu objetivo ao dar ênfase para o terror da guerra, seus traumas e faz jus ao seu título.
Do outro lado da história vamos conhecer um diplomata interpretado pelo ótimo Daniel Bruhl, que não mede esforços para tentar negociar a rendição da Alemanha e acabar com todo aquele inferno, assinando o tratado de Armistício em novembro de 1918. E por instantes, o telespectador é “tirado” daquele cenário perturbador. Mas o verdadeiro interesse de Berger é focar naqueles que seguem ordens e suas lutas pela sobrevivência, com isso, ele nos golpeia na boca do estômago alternando entre os sons ensurdecedores da guerra e o silêncio que muitas vezes e cortado pela saraivada de balas.
Assim como no romance de Remarque, de 1929, que retratou uma das visões proeminentes do terror do século 20 e desromantizou todas as ideias sobre a guerra. O novo longa de Berger consegue capturar honestamente o terrível efeito da guerra sobre seus participantes, principalmente para Paul e seus amigos que se alistam cheios de entusiasmos com as promessas ilusórias de seus superiores de que voltarão para casa cercados pela glória (lutando pelo Kaiser, Deus e pela Pátria), tal frase te lembra alguma coisa?
‘Nada de Novo no Front’ joga o telespectador direto na miséria e na lama das raízes sombrias da Primeira Guerra Mundial. A única beleza encontrada no filme surge dos riachos, campos, arvores e o céu azul que paira sobre ele. Enquanto isso, Kammerer entrega uma performance exuberante, colocando em pauta como tais experiências ferem o corpo e assola a alma. Com olhos vagos e o rosto coberto por lama e sangue, Paul mais parece um “zumbi” que reconhece que nunca mais vai se livrar dos traumas vivenciados ali. Embora o filme de Berger não apresente nada que já não seja de nosso conhecimento, ele coloca ênfase no perigo do fanatismo, algo que ressoa tão forte hoje quanto há quase um século.
Nada de Novo no Front
Lançamento: 28 de outubro de 2022
Gênero: Guerra, História, Drama, Ação
País: Alemanha
Direção: Edward Berger
Roteiro: Lesley Patersonlan
Duração: 2h 27 min
Elenco: Felix Kammerer, Daniel Brühl, Aaron Hilmer e outros
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