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Mercenárias – ‘Cadê as Armas?’ e o grito punk feminino que nunca se calou

Foto do escritor: Marcello AlmeidaMarcello Almeida

Um grito de guitarras, fúria e questionamento

Mercenárias
Rui Mendes / Divulgação


O Brasil de 1986 era um país em ebulição. A recém-conquistada democracia ainda tropeçava, a hiperinflação corroía o bolso do trabalhador, e a juventude, órfã de perspectivas, gritava por espaço. No meio desse turbilhão, quatro mulheres armadas de guitarras e urgência lançavam um dos discos mais emblemáticos do punk nacional: Cadê as Armas?, das Mercenárias.


O poder dessa obra vai além de um mero álbum de rock. É um manifesto vivo que continua tão impactante e relevante para a nossa atualidade.



Um grito de guitarras, fúria e questionamento.


O quarteto formado por Sandra Coutinho (baixo e voz), Rosália Munhoz (voz), Ana Machado (guitarra) e Lou (bateria) já vinha fazendo barulho no underground paulistano, desafiando não só o machismo da cena punk, mas também a letargia de um país recém-saído da ditadura. Mas antes da chegada de Lou, quem segurava as baquetas era ninguém menos que Edgar Scandurra, guitarrista do Ira!, que foi o primeiro baterista da banda. Scandurra ajudou a pavimentar o início da trajetória do grupo, mas logo seguiu seu caminho no rock nacional, dando lugar a Lou, que consolidaria a formação clássica das Mercenárias.


A pergunta do título do álbum exclama uma provocação urgente. Contra quem ou o quê? A repressão? A violência do Estado? O tédio da cidade cinza? Tudo isso junto. "Me Perco" abre o disco com um baixo seco e direto, guitarras cortantes e um refrão que se repete como um mantra: “Me perco nesse tempo, me perco nesse tempo”. Não era sobre literalidade. Era sobre a resistência em si.


Um disco direto e ligeiro, com aproximadamente 24 minutos de uma explosão sonora. As faixas funcionam como um verdadeiro soco no estômago da hipocrisia, da desigualdade, dos preconceitos e do machismo. Tão atual e necessário.


A trilha sonora de uma São Paulo suja e real


As Mercenárias traduziam o espírito de uma cidade em colapso. Músicas como "Polícia" e "Imagem" eram relatos de paranoia urbana, enquanto "Pânico" trazia uma pulsação acelerada, quase apocalíptica, que escancarava o medo e a tensão dos anos 80. Mas era "Santa Igreja" que fincava de vez o pé na rebeldia: um ataque feroz contra o moralismo hipócrita e o conservadorismo que, ironicamente, ainda ressoa nos dias de hoje.



Um disco que nunca envelhece


A urgência de Cadê as Armas? não ficou presa ao passado. Pelo contrário. Em um Brasil onde a violência política, a repressão e o conservadorismo ainda são temas quentes, o disco segue atual, ressoando forte em novas gerações. Grupos punk femininos, de Rakta a Anti-Corpos, carregam sua influência.



Se na época o som das Mercenárias era um grito marginalizado, hoje é um manifesto histórico essencial. Um disco de mulheres que não pediram licença para existir. Que não precisaram da validação de ninguém para fazer barulho.




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