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Locadoras, discos e rebeldia: quando a cultura pop se encontrava na esquina

Uma viagem sensorial pela era das locadoras, das lojas de discos e da paixão que moldou gerações

Locadora de filmes
Imagem: Reprodução

Havia um tempo em que a cultura era tátil. Se pegava, se cheirava, se levava pra casa como um tesouro. Antes do streaming, da cultura do algoritmo e da playlist infinita, existia o tempo da descoberta — e ele morava nas prateleiras de uma videolocadora, no balcão empoeirado de uma loja de discos, no encarte de um CD lido com devoção.


Nas tardes de sábado, adolescentes cruzavam bairros inteiros pra escolher um filme. Não era só sobre o que assistir, mas como escolher. Era o ritual: andar entre prateleiras, observar as capas, conversar com o atendente que parecia saber tudo sobre Kubrick, Coppola, Scorsese. Era o cinema como jornada, não como distração. E no fim, vinha o gesto sagrado: rebobinar a fita VHS antes de devolver. Uma regra não escrita entre os que respeitavam aquele universo.



Na mesma calçada — ou a duas quadras dali — outra peregrinação: a loja de discos. Ali, entre LPs usados e lançamentos em CD, aconteciam descobertas que mudavam vidas. Era onde alguém ouvia Legião pela primeira vez e sentia que alguém finalmente traduzia o que se passava por dentro. Onde um vinil dos Stones era passado de mão em mão como relíquia. Onde se aprendia sobre jazz, punk, MPB, tropicalismo, e tudo se misturava em uma explosão sensorial que só quem viveu sabe explicar.


Imagem: Mick Haupt
Imagem: Mick Haupt

Mas não era só sobre o conteúdo. Era sobre o ato. O gesto. O ritual. O vinil era grande, imponente, bonito de segurar. O lado A tinha um começo, o lado B tinha um fim. Era preciso levantar, virar o disco, prestar atenção. Não era consumo apressado — era escuta dedicada. A capa era uma obra de arte. O encarte, um universo paralelo.


Depois veio o CD. Menorzinho, prático, portátil. Mas ainda com encarte, ainda com encadeamento. Um disco era uma narrativa. Depois, o DVD: a imagem mais nítida, os extras escondidos, os menus interativos — mas ainda havia o ritual. Abrir a caixinha, colocar no aparelho, assistir com atenção. O toque ainda existia. A fisicalidade ainda importava.


A fita cassete então… aquela belezinha rebelde. Às vezes embolava, às vezes era preciso pegar uma caneta Bic e rebobinar na mão. Mas era a trilha sonora da adolescência. A gente gravava fitas pra alguém. Fazia coletâneas. Dedicava músicas. Aquilo era sentimento condensado em duas bobinas.



Esses lugares e objetos eram mais do que comércios ou tecnologias. Eram templos. Pontos de encontro. Espaços de formação cultural, de troca, de pertencimento. A gente entrava pra ver um filme e saía com vontade de fazer cinema. Entrava pra ouvir um disco e saía com vontade de montar uma banda. Era sobre encontrar um pedaço de si naquele mundo analógico, imperfeito, cheio de falhas e belezas.


E o rock era a trilha sonora de tudo isso. Tocava nos fones do walkman, nos alto-falantes da loja, nos quartos das casas onde os discos giravam madrugada adentro. Era atitude, era identidade, era a voz de uma juventude que se achava nas guitarras sujas e nas letras que falavam de amor, revolta, dúvidas, liberdade.


Imagem: Reprodução/Internet
Imagem: Reprodução/Internet

Hoje, tudo está a um clique. Mas talvez, no meio de tanta facilidade, a gente tenha perdido um pouco da magia. Porque havia algo de sagrado naquele tempo em que o mundo se revelava aos poucos — e cada descoberta era uma experiência quase mística. Era o tempo em que a cultura pop morava na esquina, e a gente tinha que ir até ela com o coração aberto, os olhos atentos e os ouvidos sedentos.


A cultura pop já foi palpável. E, por isso, inesquecível.

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