Cadê a ação, a tensão e o terror? Elementos que ficam subjugados ao peso do drama psicológico
Lobisomem (Wolf Man), dirigido por Leigh Whannell, é uma tentativa ousada e, ao mesmo tempo, frustrante de reinvenção de um dos ícones mais antigos e queridos do cinema de terror. Com o estigma de ser parte do infame Dark Universe que a Universal tentou construir, o filme se aproxima do mito clássico do lobisomem, mas o faz com uma agenda contemporânea que busca explorar, principalmente, o trauma, a masculinidade e as relações familiares. Esta abordagem se desvia da simples transformação física do personagem e oferece uma visão que, em teoria, poderia ser tanto profunda quanto renovadora.
A narrativa nos apresenta Blake (Christopher Abbott), um escritor em crise, que leva sua esposa Charlotte (Julia Garner) e sua filha Ginger (Matilda Firth) para uma fazenda isolada em Oregon, buscando reaproximação e resolução de antigos conflitos familiares. No entanto, logo após chegarem, o trio é atacado por uma criatura misteriosa, que começa a rondar o perímetro da propriedade. Confinados e à mercê do desconhecido, o comportamento de Blake começa a mudar à medida que a noite avança, e a transformação que se segue não é apenas física, mas psicológica, enquanto ele se vê tomado por uma força animal que desafia tanto sua identidade quanto seu controle.
Whannell, que também comandou o ótimo O Homem Invisível (2020), novamente se mostra interessado em explorar a fragilidade humana por meio de uma transformação que vai além do mero efeito visual. Aqui, a transformação do protagonista em lobisomem é apresentada como uma doença, uma metáfora do conflito interno e do descontrole emocional. Mas, como o próprio diretor fez em seu filme anterior, a questão do trauma – no caso de Blake, uma luta não apenas com os demônios interiores, mas com as expectativas de masculinidade – toma o centro da narrativa, deixando o próprio Lobisomem quase como uma figura secundária, diluída, perdida entre os dilemas familiares.
Esse foco no drama familiar é uma faca de dois gumes. Por um lado, oferece uma perspectiva interessante e mais intimista do personagem, permitindo que o público se conecte com ele através de suas falhas e fraquezas. Por outro, empobrece a experiência que se espera de um filme sobre lobisomens: o desejo por ação, tensão e terror, elementos que ficam subjugados ao peso do drama psicológico.
A tensão gerada pela presença de uma criatura invisível se torna mais uma metáfora para os traumas não resolvidos de Blake, e isso, em última instância, enfraquece a narrativa. Não há um Lobisomem que se destaque, que ameace, que nos faça sentir o perigo iminente; em vez disso, temos um homem lutando contra o próprio reflexo em uma espiral de autodescoberta e culpa.
A técnica da “visão do lobo”, empregada por Whannell para enfatizar a transformação gradual de Blake, também é uma ideia interessante, mas que perde seu impacto com a repetição. A amplificação dos sons e distúrbios visuais busca criar uma experiência sensorial que, na teoria, ajudaria o espectador a sentir o que o personagem sente. Contudo, ao longo do filme, o que inicialmente era uma experiência imersiva se torna um recurso cansativo, sem a profundidade necessária para sustentar o peso emocional da história.
Outro aspecto subaproveitado é a ambientação no Oregon. O vasto e silencioso cenário rural, repleto de uma beleza selvagem, tem todo o potencial para criar uma atmosfera opressiva e ameaçadora, mas é simplesmente deixado de lado em prol de uma narrativa que se desenrola em um ciclo repetitivo de confrontos emocionais e familiares. O filme não tira proveito da desolação do local, que poderia simbolizar a alienação dos personagens e o crescente isolamento de Blake.
Em termos de elenco, Julia Garner entrega uma performance sólida como Charlotte, uma esposa distante, mas que carrega consigo uma força silenciosa, sendo forçada a tomar atitudes drásticas para proteger sua família. Christopher Abbott, por sua vez, entrega um Blake contido, que oscila entre momentos de vulnerabilidade e fúria, embora sua jornada de transformação, tanto literal quanto emocional, seja interrompida pela falta de foco no próprio Lobisomem. Matilda Firth, como Ginger, parece ser mais uma presença de apoio, sem um grande desenvolvimento de personagem, mas funcional dentro da dinâmica familiar.
Apesar de um final que ganha alguma tensão e movimentação, Lobisomem acaba se perdendo em sua tentativa de criar algo mais profundo e relevante, algo mais conectado com o que a Blumhouse propôs com O Homem Invisível. O filme busca desconstruir o mito clássico e jogar com a ideia de redenção, mas o faz de maneira superficial, sem uma simbologia forte ou uma reflexão realmente provocadora. No fim, o que se tem é uma produção que promete mais do que entrega, e que, ao se concentrar tanto nos aspectos emocionais e simbólicos, acaba deixando de lado o que deveria ser o coração de sua narrativa: o próprio Lobisomem.
Apesar das falhas, Lobisomem ainda representa um avanço, em comparação com outras produções da Blumhouse no pós-pandemia, mas não consegue superar a expectativa criada por sua premissa e pelo histórico do diretor. Assim, o filme permanece como uma experiência ambígua – uma tentativa interessante, mas incompleta, de reimaginar um clássico do terror, sem jamais conseguir concretizar o impacto desejado.
Lobisomem
Wolf Man
Ano: 2025
Gênero: Terror
Direção: Leigh Whannell
Roteiro: Leigh Whannell, Corbett Tuck
Elenco: Christopher Abbott, Matilda Firth, Julia Garner
País: Estados Unidos
Duração: 103 min
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