O público se horrorizou. Mas um novo gênero havia nascido

Poucos nomes no cinema brasileiro carregam o peso de um verdadeiro pioneiro como José Mojica Marins. O homem que trouxe o terror para as telas nacionais, que fez o Brasil olhar para seus próprios pesadelos e encarar sua face mais sombria, era um cineasta de vísceras, instinto e genialidade bruta. Ele não seguiu fórmulas, não pediu permissão, não se curvou às regras da indústria. Ele simplesmente fez.
E o que ele fez mudou tudo.
O nascimento de um ícone
Mojica nasceu em 1936, filho de um dono de cinema. Cresceu cercado por celuloide, encantado pela magia do projetor que iluminava a escuridão das salas de exibição. Mas, enquanto o mundo se fascinava com os monstros góticos da Universal ou com o expressionismo alemão, ele queria algo diferente. Queria um horror brasileiro, um terror que falasse a língua do povo, que trouxesse o misticismo, o medo e a brutalidade que já habitavam o imaginário nacional.
Assim nasceu Zé do Caixão, sua criatura imortal. Um coveiro niilista, cruel, obcecado pela imortalidade, dono de unhas que pareciam garras do próprio inferno. Um personagem que não só simbolizava o medo, mas também desafiava a moral e a hipocrisia da sociedade.
O terror visceral de Mojica

Em 1964, “À Meia-Noite Levarei Sua Alma” fez história. O Brasil, acostumado com o drama e a chanchada, viu um filme que sangrava em preto e branco, repleto de cenas perturbadoras, com um protagonista que não era um herói, mas um monstro de carne e osso. A censura tremeu. O público se horrorizou. Mas um novo gênero havia nascido.
O sucesso levou a uma trilogia, com “Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver” (1967) e “Encarnação do Demônio” (2008), filmes que aprofundaram a mitologia de Zé do Caixão e solidificaram Mojica como o mestre do horror nacional.

Mas sua obra não se limitou ao terror. Ele fez faroestes, dramas, experimentações cinematográficas delirantes. Foi um outsider em um cinema que não sabia como encaixá-lo. Enquanto o Cinema Novo debatia questões políticas e sociais, Mojica estava criando um Brasil maldito, sombrio, sufocante.
O legado do mestre
Mojica não teve uma carreira fácil. O dinheiro era curto, o preconceito com seu cinema era grande, e ele muitas vezes foi ignorado pela crítica nacional. Mas lá fora, virou lenda. Foi reverenciado por mestres do horror como Quentin Tarantino e José Padilha. Foi chamado de “gênio” por Roger Corman. Seus filmes foram cultuados por gerações de fãs do horror, de cineastas independentes, de quem entende que cinema é mais do que técnica: é urgência, é paixão, é transgressão.
O cinema brasileiro nunca mais foi o mesmo depois de Mojica. Seu terror escancarou que nossos medos não precisavam vir de fora, que os nossos próprios demônios eram os mais assustadores. Ele abriu caminho para novas gerações de cineastas, do terror marginal ao mainstream.
José Mojica Marins nos deixou em 2020, mas Zé do Caixão é eterno. Ele habita cada pesadelo, cada cena perturbadora que move sua ousadia. Seu cinema não foi feito para agradar, mas para assombrar. E esse é o maior mérito de um verdadeiro mestre.
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