O público estava longe de ser dos maiores, naquele meio de tarde, com ameaça de chuva forte que, felizmente, não se concretizou. E quem estava lá pelo show do Idles foi feliz para casa – com o perdão do uso de um desgastado chavão -, de alma lavada. Ninguém pode reclamar. Entrega perfeita, setlist visceral. Uma daquelas performances de encher os olhos e, mais uma vez, colocar por terra qualquer bobagem insistente naquela declaração vaga do sepultamento do rock. Uma tarde dominical que parece ter sido abençoada por deuses tortos como Iggy Pop, Lemmy Kilmister, Jaz Coleman e Wayne Kramer.
Sim, o que se viu foi um show punk, com tudo o que essa definição é capaz de trazer. Embora a banda rejeite o rótulo, é impossível não associar aquilo tudo que eles fizeram no palco (e fora dele também, junto à plateia) ao termo. Energia, transgressão, barulho, humor, subversão. A emoção propagada, do jeito característico e peculiar deles, ao homenagear Taylor Hawkins. Idles é aquela porrada que o cenário da música precisa levar de tempos em tempos, para manter o fogo queimando, imergir corações e corpos naquele êxtase pleno da urgência deflagrada pelo clamor inexorável do espírito de inquietude. Foi assim com Ramones, Nirvana, bandas que deram o sopro almejado de vitalidade e perpetuaram seu legado transformador e inconformista. E não é isso que o Idles tem feito magnificamente? O que a banda ofereceu no domingo, último dia de Lollapalooza, exemplifica perfeitamente o que se pode esperar de um nome que constrói sua relevância com a legitimidade e a força que tanto marcaram as trajetórias dos ícones mais respeitáveis.
Mas o Idles constrói destruindo, não deixando pedra sobre pedra. E no show de domingo, os mais afeitos ao universo punk e sua história, puderam perceber, guardadas as devidas distinções sonoras e particularidades de estilo, alguns ecos e referências de bastiões de peso como Black Flag, Circle Jerks e Bad Brains. Não dá para esquecer uma e outra nuance de irreverência típica dos Toy Dolls ou mesmo dos Buzzcocks.
Presença demolidora da banda britânica no Lollapalooza neste último domingo não deixa dúvidas de que tem lugar garantido na galeria das grandes e históricas apresentações de rock que já passaram pelo Brasil.
O humor é bastante perceptível quando eles, de maneira escrachada, tiram uma onda com certos estereótipos historicamente vinculados ao perfil do macho bruto tão desgastado nas vertentes do rock mais agressivo, subvertendo essa suposta padronização e, através de todo peso e fúria do som, conseguem bradar impiedosamente pelo vocal estrondoso e vultoso de Joe Talbot (será o melhor frontman a despontar no rock nos últimos dez anos?) contra as injustiças, preconceitos e agressões dos nossos tempos. E como esquecer a imagem do louco, agitado e frenético guitarrista Mark Bowen de vestido, despejando os riffs mais mortais do fim de semana juntamente com seu parceiro das seis cordas, Lee Kiernan?
A catarse devastadora propulsionada pelos adoráveis malucos de Bristol pode ser pensada como algo que talvez se enquadre numa classificação que defina a sonoridade impactante como uma espécie de Motorhead pós-punk, um Killing Joke beirando o hardcore ou mesmo um Pixies pagando tributo aos Stooges, Black Sabbath, Swans e ao Joy Division simultaneamente, se for possível imaginar tamanho feito anárquico e caótico desse porte.
E dá-lhe uma sucessão luxuosa e destruidora de pauladas e pedradas sonoras que já se candidatam a clássicos modernos do melhor rock de guitarras pungentes, como ‘Colossus’, ‘Car Crash’, ‘Grounds’, ‘Love Song’ e ‘Rottweiler’. No meio de uma ou outra manifestação contundente e inflamada de guitarra, baixo e bateria (destaque para o incansável Jon Beavis!), citações honrosas de Prince (‘Nothing Compares 2 U’), Oasis (‘Wonderwall’) e Peaches & Herb (‘Reunited’).
Foi aquele tipo de show que, mesmo considerando um público em menor número, pode ter despertado em vários presentes ali a vontade de reunir uns amigos e montar uma banda. Para reagir a tanta provocação enfurecida, divertida e de poderoso fulgor que o Idles proporciona, só mesmo com muita dança e roda punk. Alguns preferem bater cabeça (o famoso headbanging tão popularizado no meio do metal) e àqueles que não tiveram a sorte de estar lá em Interlagos presenciando esse vigoroso e impactante momento histórico dos bons sons por essas plagas devastadas restou o consolo irresistível de ficar pulando frente à tela da TV e emulando pogo. Mas quem resistiria, não se levantando do sofá pelo menos em uma ou outra das poderosas músicas numa tarde tão inspirada?
Confira abaixo um pouco da performance explosiva do Idles no Lollapalooza Brasil
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