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Foto do escritorMarcello Almeida

Fernanda Torres, o Globo de Ouro e a relevância de Ainda Estou Aqui



Obras como esta desempenham um papel lúcido e essencial na preservação da memória histórica

Cena de "Ainda Estou Aqui"
Cena de "Ainda Estou Aqui" • Divulgação

Quem assistiu Ainda Estou Aqui sabe profundamente o peso e os sentimentos desencadeados pela gigante e exuberante atuação de Fernanda Torres, que carregou no brilho dos olhos, naquele olhar tão distante e perdido rumo ao horizonte, mas que, na verdade, não era para o horizonte que seus olhos marejados e resistentes se centravam. O Globo de Ouro não era algo assim tão distante das mãos da brasileira. No fundo, a gente, como ela mesma disse: "filhos de um Brasil que vale a pena", sabia que era possível ele ser nosso.


Mais do que um reconhecimento a uma atuação magistral, essa vitória carrega consigo um significado profundo para o Brasil, ao destacar uma obra que revisita um dos períodos mais sombrios da história do país: a ditadura militar. Em tempos de polarização política e tentativas de revisionismo histórico, o filme surge como um lembrete poderoso sobre as consequências de um Estado sem direitos civis e as marcas que ele deixa nas vidas de seus cidadãos. Ainda é preciso lembrar que não muito distante, tentaram de todas as maneiras suacatear e derrubar a cultura, a arte e o cinema brasileiro, essa conquista não poderia vir em momento melhor.


Dirigido por Walter Salles e baseado no romance de Marcelo Rubens Paiva, Ainda Estou Aqui narra a trajetória de Eunice, uma mulher que viveu a repressão da ditadura nos anos 1970. mãe, esposa apaixonada e idealista, Eunice se vê confrontada pela barbárie do regime ao perder seu grande amor, o deputado Rubens Paiva (Selton Mello), que desapareceu durante a ditadura militar.


Entre 1964 e 1985, o Brasil viveu sob um regime autoritário que silenciou opositores, censurou a imprensa, perseguiu intelectuais e cometeu violações sistemáticas dos direitos humanos. Milhares de brasileiros foram presos, torturados e mortos, enquanto muitos outros desapareceram nos porões da repressão, sem jamais terem seus corpos encontrados. Em Ainda Estou Aqui, essas feridas e memórias ganham vida, voz e rosto por meio da história de Eunice e sua família.



Uma história que ganha contornos que transbordam a ideia de um simples relato pessoal e abre uma janela para a compreensão do impacto coletivo desse período. Ao trazer a perspectiva de uma mulher que sobreviveu a esse horror, a narrativa se torna uma ferramenta essencial para conscientizar e ensinar as novas gerações sobre o valor da democracia, da liberdade e dos direitos humanos.



Em tempos em que a democracia é atacada pela extrema direita e seu autoritarismo, obras como Ainda Estou Aqui desempenham um papel lúcido e essencial na preservação da memória histórica. Elas lembram que o silêncio diante da barbárie é cúmplice da opressão e que as feridas deixadas pela ditadura não podem ser esquecidas, relativizadas ou, melhor dizendo, romantizadas.


Ver toda essa reverberação e comoção em torno do Globo de Ouro conquistado por Torres, além do filme ter batido a marca de 3 milhões de espectadores no Brasil, é algo surreal e bonito. Ao mesmo tempo, preserva a história do nosso país que muitos tentaram apagar.

Ainda Estou Aqui transcende o cinema; a obra de Salles é uma aula de história, um manifesto audiovisual e uma homenagem às vítimas da repressão. Ela resgata, com sensibilidade e precisão, o que significa viver sob um regime que elimina direitos básicos, desumaniza aqueles que ousam resistir e tenta apagar da memória coletiva as vidas que destruiu.



Para as novas gerações, que muitas vezes não vivenciaram esse período e não têm contato direto com seus desdobramentos, o filme se torna um veículo de aprendizado. Ele explica, por meio de imagens e emoções, o que os livros de história, por vezes, falham em transmitir: a dor, a resistência e a luta por justiça de quem viveu sob a sombra de um regime autoritário.


Tanto Torres quanto Selton Mello dão vida a essa história por meio de performances extraordinárias. Fernanda incorporou Eunice de uma maneira que transborda emoção, sentimentalismo, raiva e honestidade, capturando as nuances de uma mulher dividida entre o trauma do passado e o desejo de se conectar com o presente.Fernanda equilibra fragilidade e força, entregando ao público uma personagem que não apenas carrega o peso de sua própria história, mas também representa as vozes de todas as mulheres que enfrentaram a repressão e lutaram para sobreviver.


A atriz mergulhou profundamente na construção da personagem, estudando relatos de sobreviventes da ditadura e compreendendo as complexidades psicológicas de quem viveu a perda e a opressão. O resultado é uma atuação que transcende a tela, convidando o espectador a sentir, refletir e, acima de tudo, se lembrar.


O Globo de Ouro concedido a Fernanda Torres não é apenas um prêmio individual; é um reconhecimento ao cinema brasileiro como uma ferramenta de memória, resistência e denúncia. Em um momento em que narrativas autoritárias voltam a ganhar espaço em diversas partes do mundo, a vitória de Torres destaca a relevância de obras que relembram os perigos da repressão e celebram o valor da liberdade.


Esse prêmio coloca o Brasil no centro do debate internacional, reafirmando que nossas histórias têm poder e alcance global. Ele também reforça a importância de se investir em produções que, além de emocionarem, educam e contribuem para a construção de uma sociedade mais consciente e informada.



Ainda Estou Aqui não é apenas um filme; é um legado. Ele honra a memória de quem lutou e morreu pela liberdade, enquanto lança luz sobre os desafios que ainda enfrentamos para garantir que os erros do passado não se repitam. Torres, ao receber o Globo de Ouro, dedicou sua vitória às vítimas da ditadura e às famílias que ainda buscam por justiça:


“Que este filme e este prêmio nos lembrem que nunca podemos permitir que a barbárie seja normalizada. Que o amor, a memória e a justiça sejam sempre nossas maiores armas contra a opressão.”


Com Ainda Estou Aqui, o Brasil reafirma seu papel como uma voz fundamental na luta pela democracia e pelos direitos humanos. E Fernanda Torres, com sua atuação memorável, torna-se o rosto de uma resistência que ecoa não apenas nas telas, mas na consciência de todos nós.

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