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Foto do escritorMarcello Almeida

Especial Legião Urbana 'V' 1991: "O mundo anda tão complicado"

"O que é demais nunca é o bastante"


O quinto álbum da Legião Urbana aterrissou em um cenário amplamente complicado para banda de Brasília quanto para o Brasil. Em março de 1990, mediante a sua posse, o presidente Fernando Collor baixou um pacote de reformas econômicas que ficou conhecido como Plano Collor, congelando todas as contas correntes, poupança e aplicações financeiras com saldo superior a 50 mil cruzados novos, isso se estendeu por longos 18 meses. Por outro lado, a Legião Urbana enfrentava um dos momentos mais delicados e difíceis de sua trajetória, o frontman Renato Russo descobre ser portador do vírus HIV. Acontecimentos que influenciaram muito na sonoridade do novo disco intitulado apenas de 'V' e grafado desse modo, em algarismos romanos, esse é o trabalho mais denso e melancólico do grupo.


De certo modo, a descoberta da doença afetou profundamente Renato e seu jeito de compor, isso não quer dizer que ele tenha perdido seu tato poético, pelo contrário: o líder da Legião se viu na necessidade de compor cada vez mais para equilibrar e equalizar o turbilhão de emoções que rodavam por sua cabeça. São detalhes da vida pessoal do músico somados ao drástico plano de Collor que fizeram de 'V' uma das obras mais enigmáticas de toda a discografia da banda. Com letras profundas e sentimentais. Ao contrário do que muitos pensam, nem o plano de Collor e nem o HIV conseguiram derrubar o processo criativo e a força poética de Renato. Ouve, sim, uma mudança em ambos, isso fica claro nas canções de 'V'. As letras de protestos e rebeldia deram lugar a uma atmosfera sombria, soturna e angustiada.


A Junção gótica atrelada aos elementos medievais do clima do álbum e o uso de sintetizadores, levou muitos críticos e fãs classificarem a obra como rock progressivo. Até mesmo o próprio Renato parecia concordar com essa classificação. Em setembro de 1991, quando o disco foi lançado ele disse para extinta revista Show Bizz: "Vão dizer assim: 'Legião repete fórmula e lança disco progressivo'." Claro, que o álbum não era totalmente voltado para o gênero que predominou as paradas inglesas nos anos 70 com bandas como: Yes, Pink Floyd e Genesis, mas o quinto disco da Legião possuía muitos elementos do rock progressivo, como uso de sintetizadores, inspiração na música clássica, uma sonoridade sinfônica, letras sobre misticismo e viagens delirantes ao subconsciente da alma movidas por drogas.


Vem cá, meu bem, que é bom lhe ver. O mundo anda tão complicado. Que hoje eu quero fazer tudo por você.

O rock em si, passava por um processo de mudança cultural, ficando cada vez mais açoitado por novos ritmos como: o Rap, ou por subgêneros derivados da Dance Music, modalidades dançantes que estavam dominando as pistas e casas noturnas. A Legião Urbana se encontrava no meio dessas tendências mundiais. Em 1991, ainda houve a explosão do Grunge em Seattle, comandado por bandas como Nirvana, Pearl Jam (com os discos Nevermind e Ten, ambos de 1991). Sem mencionar o surgimento e avanço da música eletrônica que começava a moldar o mainstream do rock e do pop.


O cenário estava se modificando, fora isso, começava a onda do sertanejo romântico que começava a se tornar uma enorme febre no Brasil. A industria cultural se globalizando e o rock nacional se multiplicando, foi em 91 que a banda brasileira de Metal, Sepultura, lançou seu quinto disco, 'Arises', e tornou-se um sucesso mundial. Isso tudo parece refletir na sonoridade de 'V', um álbum com nuances do rock progressivo, um rock mais básico oriundo das primeiras apresentações da banda e um lirismo muito próprio do momento conflituoso e traumático que Renato atravessava.


Isso fica bem evidente nas três primeiras faixas do disco, com "Love Songs", "Metal Contra as Nuvens" e "A Ordem dos Templários" que possuem uma forte pegada e influência do rock progressivo, abraçando uma estética medieval e romântica. "A Montanha Mágica" teve seu título extraído do romance homônimo do escritor alemão Thomas Mann, com uma letra de total desencanto e amargura a qual Renato canta com timbres mais graves conduzindo perfeitamente sua levada vagarosa. "O Teatro dos Vampiros" é um grito de revolta com a era Collor, a falta de empatia, o tédio que tomava conta e a falta de perspectiva da juventude em tempos sinistros que resvalam em nossa atualidade. "Vamos sair/Mas não temos mais dinheiro/Os meus amigos todos estão procurando emprego."


'V' vendeu aproximadamente 700 mil cópias, pouco menos da metade do disco anterior. "O Teatro dos Vampiros" e "Vento no Litoral" (com sua melodia agridoce e sua letra banhada de ternura retratando o sentimento da saudade e perda) foram as mais tocadas nas rádios. O álbum também atuou como um divisor de águas na trajetória da Legião Urbana, com Renato deprimido e recluso, dali em diante as coisas jamais voltariam a ser como antes.

 

V

Legião Urbana


Lançamento: 1991

Gênero: Rock, Pop, Indie Rock, Rock Progressivo

Ouça: "O Teatro dos Vampiros", "Vento no Litoral", "O Mundo Anda Tão Complicado"

Humor: Melancólico, sombrio, Bonito


 

NOTA DO CRÍTICO: 7,7

 

Ouça no Spotify:
















 

Ouça "Teatro dos Vampiros"


 

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