"Eu só tenho vontade de cantar em português hoje em dia na verdade. O próximo também será em português, sem dúvida alguma"
Falar do Wry é também abordar parte essencial da história do chamado rock alternativo nacional. O quarteto de Sorocaba com quase três décadas de trajetória lançou recentemente o seu oitavo álbum, ‘Aurora’, que tem como novidade e grande surpresa a totalidade das letras em português. O Wry hoje já faz parte daquele honroso rol de bandas brasileiras que se tornaram referências de peso para os apreciadores do gênero. Com a experiência, maturidade e sem jamais perder aquele típico frescor juvenil inerente à sonoridade de qualquer guitar band que se preze, o grupo traz em seu novo disco mais melodias inspiradas e arrebatadoras, em canções com letras que flertam com certo alento rumo à luz em dias – aparentemente infindáveis – de tantas ameaças assustadoras.
O gente finíssima e respeitado Mario Bross, vocalista e guitarrista, conversou com o Teoria Cultural sobre ‘Aurora’, algumas experiências notáveis e pontos importantes da carreira do Wry, os anos na Inglaterra, os elementos que compõem a sonoridade da banda, planos para 2023, entre outras coisas aí que ele gentilmente expôs nesse agradável bate-papo cedido para os leitores do TC. Ah, e teve até palpite para a Copa do Mundo! Bom, nós aqui estamos nos sentindo campeões com essa entrevista. Comemorem vocês também e boa leitura!
O Teoria agradece imensamente a sua gentileza em conceder essa tão aguardada entrevista para os leitores do site e para os admiradores do Wry. Para começar, um álbum com todas as letras em português era necessário e urgente para esse momento, não? Falo precisamente da importância da transmissão das mensagens direcionadas às mentes e aos corações das pessoas de um país imerso numa época tão conturbada em muitos aspectos, e grande parte do mundo ainda tentando se reerguer de um período crítico de pandemia. Está correta essa percepção quanto ao 'Aurora'?
Eu que agradeço a oportunidade e o carinho! É um prazer responder a essa entrevista. E sim, correto. Com certeza é importante para esse momento e principalmente porque estamos nessa transição para o português há algum tempo. Veio na hora certa. Pra ser honesto, a primeira fagulha para eu querer cantar em português rolou na turnê que fizemos no Brasil, vindos de Londres, do ‘Flames in the Head’ no final de 2005. Eu já sentia a necessidade das pessoas no Brasil entenderem um pouco do que eu cantava. Cantando em Londres em inglês me fez sentir o gosto de como era o público saber as palavras que eu cantava. Eu gostei do que senti. Que ironia né? Rs
O álbum, de certa forma, soa como um contraponto ou mesmo um complemento que serve de resposta àquela temática proposta no 'Noites Infinitas' de 2020, no sentido de trazer um sentimento de paz, um alívio para certa inquietação e alguns desconfortos e angústias vivenciados nos últimos tempos. As letras no idioma nacional talvez reforcem esse aceno. Todos colaboram no processo da escrita? Como se constrói essa concepção das palavras na música do Wry?
Hoje em dia fazemos muitas delas em colaboração, tanto instrumental quanto as letras. Algumas acabam vindo inteiras de um membro ou outro. As vezes as inspirações são incentivadas, tipo “quero escrever sobre isso”, ou “faz uma linha de baixo meio nesse gênero ou no estilo daquela música”. A gente acaba se inspirando com ideias nossas mesmos. O ‘Aurora’, assim como ‘She Science’, de 2009, teve demos gravadas em casa de todas as músicas, ou de quase todas. A diferença no novo é que quando não uma música que eu fazia em casa, eu compilava ideias que vinham via WhatsApp e as transformava em novas canções com as demos.
Os fãs podem esperar mais músicas cantadas assim daqui para a frente, ou seja, será uma tendência constante essa utilização do português?
Eu só tenho vontade de cantar em português hoje em dia na verdade. O próximo também será em português, sem dúvida alguma. Se rolar em inglês, ou será uma cover ou algum trabalho específico, com algum objetivo claro, sabe.
Nossa, amo me adaptar. Na vida eu sempre preferi viver o momento. Não tenho nenhum problema com lidar com as redes sociais, vou aprendendo e conquistando novos fãs com isso. É muito trabalhoso, tem que ter muita vontade e energia. E tempo. Sou privilegiado por ter escolhido um caminho que me deu esse tempo que hoje tenho pra me dedicar à banda, sem atrapalhar minha vida pessoal.
Queria que você comentasse um pouco sobre o trabalho no estúdio, os aspectos ligados à produção (bom lembrar que você, além de músico, também produz), enfim, e ainda como se dá a realização no andamento das composições, toda a questão envolvendo as elaborações melódicas para as canções.
Vou falar como foi com o Aurora, porque a gente variou bastante. Ou pelo menos variava. Nesse último as músicas vieram de demos. Algumas do disco já lançado, são muito parecidas com as versões da demo, como Quero Dizer Adeus e Não Posso Respirar. Já outras mudaram bastante de como eram na demo; foram trabalhadas em ensaio, e principalmente a bateria.
E depois de gravadas, bateria e baixo, fomos adicionando os arranjos de guitarra, criando no estúdio durante a gravação. Os baixos muitos saíram nos ensaios e nas demos, como Sem Medo de Mudar e Temos Um Inimigo; já outros foram melhorados durante a gravação, como Labirinto Mental e Contramão. Os vocais, criados nas demos, permaneceram no disco. Pouca coisa mudou, alguns tons que subiram ou desceram, e algum estilo de cantar. E os sintetizadores do Neto, que participa do disco, foram gravados na casa dele. Mandamos uns rough mixes pra ele.
‘Reviver’, de 2021, trouxe aquelas músicas que ficaram, digamos assim, guardadas, arquivadas por bastante tempo e finalmente encontraram a oportunidade de integrarem oficialmente parte da discografia do Wry. Há mais tantos tesouros assim para serem desenterrados e descobertos pelos fãs em algum possível álbum futuro com tais surpresas?
No ‘Reviver’ tem músicas de 2018, 2017, 2015, 2004, 2008, 2003, 2002 e 2001, é uma cata de várias épocas. Legal né? Tem inéditas e versões demos muito diferentes do que virou em lançamentos oficiais. Olha, temos muitas outras demos guardadas, eu tenho vontade de lançar um disco, já tenho um nome, “Demolição” . E também temos algumas músicas inéditas inacabadas guardadas em meu computador. Quem sabe vem outro desse!
Os primeiros discos apresentavam uma sonoridade mais crua, com muito daquilo que caracterizou os sons de guitarras da cena noventista norte-americana (noise, grunge) e muito do punk, garage rock, The Stooges, Manic Street Preachers do começo, Jane’s Addiction, Smashing Pumpkins e, com o tempo, a banda foi incorporando outras influências, flertando com o britpop, adicionando umas camadas etéreas e densas do shoegaze e resgatando algo dos sons oitentistas, como o pós-punk, por exemplo. Você acredita que fatores significativos no processo de amadurecimento musical se devem, em parte, à experiência do Wry em residir por tempo considerável fora do Brasil?
Talvez pela tranquilidade que sentimos em tentar fazer diferente em cada disco. Pois acho que é mais comum as bandas na Inglaterra não terem muito medo de mudar. Quando sentem que querem. Até mesmo de nome, e muito rapidamente.
Morar fora, para qualquer pessoa, dá uma bagagem a mais, eu acho. Viver outra cultura é muito interessante.
E mais, eu considero nosso som, desde o começo mais no estilo inglês de fazer som. Desde o começo somos bastante influenciados pelo que rolou no pós-punk de lá, que por si só já é bem eclético e camaleônico. No Brasil, tem muita coisa boa, é um país rico culturalmente, mas eu sinto as bandas de rock um pouco engessadas, não explorando tanto.
Foram sete anos “londrinos”, né? Como profissional da música, o que você pode descrever como algo que mais te impressionou positivamente nesse período e – caso tenha ocorrido, obviamente – um acontecimento que tenha sido frustrante nessa vivência longe do Brasil?
Enquanto banda sim, 7 anos. No total um pouco mais, já que chegamos em Agosto de 2001, mas começamos a voltar em 2008, e eu, em Março de 2009 já estava no Brasil. O que mais me impressionou, agora olhando pra trás, foi saber como é a realidade de se viver num país onde o rock faz parte da cultura, que não é algo adaptado como é no Brasil. Falando de forma geral, no fundo o Brasil nunca curtiu muito rock.
Muitas coisas me impressionaram e fatos frustrantes também rolaram, mas nada além do normal da vida. Pra mim, de forma pessoal, eu descobri que apesar de amar Londres, e a cultura de lá, um sentimento que ainda carrego, eu descobri que não curti viver como imigrante. Não teve preconceito, pelo menos que eu tenha notado, mas amo ser turista ou ir tocar, mas viver como imigrante realmente eu não gostei. O foda é que no Brasil eu também me sinto um pouco deslocado. É um dilema.
Nos primeiros tempos de banda, quando lançar discos físicos ainda era regra dominante, a internet se apresentava como uma ferramenta ganhando força gradativa, sem todo o alcance avassalador que viria a seguir, com o decorrer dos anos. Pode-se dizer que o Wry viveu o fim de uma era e seguiu fazendo parte de outra, em que as mudanças rápidas, vertiginosas, os ciclos efêmeros que tomaram a indústria musical constituíram a direção que norteou os novos rumos desse universo complexo todo. Vocês lidaram com tudo isso com segurança ou foi um pouco – digamos - assustador, a ponto de causar certo abalo e incômodo? Como você analisa hoje essa relação, que se tornou prática indissociável do plano de trabalho na área musical, entre artista e as plataformas digitais, os diversos canais midiáticos viabilizados na rede?
Nossa, amo me adaptar. Na vida eu sempre preferi viver o momento. Não tenho nenhum problema com lidar com as redes sociais, vou aprendendo e conquistando novos fãs com isso. É muito trabalhoso, tem que ter muita vontade e energia. E tempo. Sou privilegiado por ter escolhido um caminho que me deu esse tempo que hoje tenho pra me dedicar a banda, sem atrapalhar minha vida pessoal. E tenho os parceiros, e a parceria, dos sonhos.
Eu acho que as redes sociais, incluindo as plataformas digitais de músicas, vieram pra somar, são mais ferramentas para você usar para divulgar a sua música e seu pensamento de banda. Nada é perfeito, mas também não é um bicho de 7 cabeças.
É um pouco estranho e até engraçado, eu diria, pensar no Wry hoje como banda veterana, de “jovens senhores”, com todo esse tempo de estrada, talvez porque o grupo incorpore muito daquilo que compõe o imaginário relacionado ao universo rocker, como a energia, a postura e a irreverência do não conformismo. Creio que seja algo louvável, embora esses nossos tempos também nos mostraram alguns artistas do meio musical (incluindo o próprio rock) que se revelaram um tanto conservadores e reacionários. Dá pra dizer que o peso de envelhecer à frente de uma banda de rock‘n’roll não constitui um fardo como tantos outros que assombram a escalada da idade nas pessoas que não têm a mesma satisfação em suas rotinas de trabalho, no viver do cotidiano comum?
Eu acho que só constitui um peso, um fardo, para quem não sabe o quer da vida, tenha dúvidas, ou que talvez se preocupa demais com o que os outros pensam. Quando a gente resolveu voltar com aquele show comemorativo em 2014, dos 20 anos do primeiro show do WRY, indo pro primeiro ensaio, depois de 4 anos sem pegar numa guitarra, eu me perguntei se me sentiria velho. Mas bastou em tocar o primeiro acorde para que um banho de juventude me molhasse todo. Foi tão legal que resolvemos voltar com o WRY definitivamente. Até quando eu não sei, rs.
A primeira vez que vi/ouvi o Wry foi através do saudoso programa Musikaos, exibido então na TV Cultura, e que era apresentado pelo Gastão Moreira (ex-MTV, hoje comandando o canal KazaGastão no YouTube). Lembro também de ter lido algo sobre a banda na extinta revista Dynamite. Era assim que descobríamos as chamadas bandas novas. Hoje um algoritmo aí no streaming pode direcionar um jovem em seu aplicativo instalado no smartphone à audição de uma canção do ‘Aurora’ ou ‘Noites Infinitas’. A banda atribui grande importância a esse alcance junto ao público proporcionado pelas novas tecnologias?
Sem dúvidas, essas são as novas ferramentas, como eu já disse. Mas trabalhar com assessoria e sair nos blogs, como o seu, e em programas de podcast ou YouTube, além de programas de rádio, é de grande importância também. E muitos escrevem ou falam sobre a gente porque nos descobriu nessas plataformas. Consequentemente isso também nos traz novos fãs. É um trabalho de formiga, ainda mais no underground. Porém algumas dessas plataformas nos traz relatórios, que podem ser configurados por semana ou até anuais, e você pode acompanhar o crescimento, sabe. Eu curto muito analisar os relatórios. E revelo que o crescimento foi real desde 2020 quando aprendi a lidar com as novas ferramentas para o lançamento do Noites Infinitas.
‘Aurora’ está sendo lançado em vinil também, correto? Fale um pouco da ideia do álbum nesse formato, que ficou bem bacana, com certo destaque para a capa, que traz uma foto belíssima, por sinal.
O vinil vai sair em capa dupla, com todas as letras impressas nas abas de dentro. Vinil preto. Será lançado pela Bilesky Discos, que já lançou alguns nomes fortes da música brasileira. Era para ter saído junto com o digital, mas atrasou. Agora o prazo é para dia 20 de Dezembro. Vamos ver!
Mais uma vez o Teoria Cultural agradece a gentileza por ter proporcionado essa conversa. Era uma entrevista bastante aguardada, já que o Wry é daquelas bandas mais queridas da página e de grande parte dos leitores. Falando nisso, os fãs podem esperar mais novidades para 2023? Já pode adiantar algo da agenda de shows, participações em festivais? E mais algum álbum novo sendo encaminhado?
Obrigado por nos dar essa oportunidade. Dou bastante importância pra isso. Então, provavelmente a gente começa a fazer shows em Fevereiro. Estamos ensaiando. Queria tocar nos festivais também, espero que tenha lugar pra gente. Mas também quero lançar mais discos. Queria lançar um por ano. Quem sabe não vem outro em 2023?
Parabéns e desejamos grande êxito aí para o Wry! Para fechar, bem rápido, de bate-pronto: pode citar dois álbuns de 2022 que mais te agradaram ? E qual seleção vai ganhar essa Copa aí no Qatar?
Um de rock: Skinty Fia. Um de pop: Midnights. E o Brasil vai ganhar! Vamos Brasil!
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