
(Foto por: Emilly de Almeida)
Fernando Mascarenhas vem de uma trajetória musical um tanto prolifica, o músico mineiro já participou de bandas como ‘Paquiderme Escarlate’ e hoje colhe os ótimos frutos dessa relação de indivíduo e arte. Em meio a uma pandemia, Fernando não se deixou abater pelas dificuldades e adversidades e lançou seu primeiro disco solo intitulado ‘Dizperto’, um título bem oportuno para esse momento de incertezas, fragilidades e de total descaso político. Ouvir esse trabalho conciso, equilibrado, de notas harmônicas impressionantemente belas, floresce aquele sentimento quente e aconchegante de proximidade, mesmo todos estando muito longe, o disco consegue passar essa presença de perto com canções melodiosas que enaltece nossa Cultura Pop brasileira.
Com influências que vão desde Lô Borges, Milton Nascimento, Belchior, Beatles e Beach Boys, Fernando dilui isso tudo em composições que ganham roupagens intimistas e, ao mesmo tempo, líricas, com letras que abordam temas como: saudade, solidão, ausência e impetuosidade política. Em várias passagens do álbum você pode se ver em terras mineiras relembrando o icônico Clube da Esquina, em outras se vê dentro de uma camada cósmica entre ‘Rubber Soul’ dos Beatles e o ‘Smile' dos Beach Boys.
O disco foi totalmente produzido durante a pandemia, de forma caseira, o que traz esse aspecto de vivências bem para perto do ouvinte. Com elementos sonoros totalmente equilibrados para soar distinto e único.
Nessa entrevista o músico e compositor fala sobre suas influências, inspirações e como foi produzir um disco de forma independente e em plena pandemia, e fala também de seus projetos futuros.
Para começarmos gostaria de saber por que do nome 'Dizperto'? O que ele representa para você?
R: Esse nome me veio à cabeça quando as músicas já estavam todas gravadas e estávamos mixando. Eu ainda não tinha decidido nem o nome e nem a ordem das músicas. Na mixagem, é normal escutarmos incontáveis vezes as mesmas músicas, então por mais que seja cansativo, foi nesse processo que eu prestei mais atenção no quê aquelas 14 músicas tinham em comum. A meu ver, todas elas esbarram nessa questão de olhar o mundo com outros olhos, de estar desperto e não dormente ou anestesiado. E outro tema bastante presente era a distância, a ausência, a saudade. O álbum saiu no meio de 2021, mas as gravações começaram bem no início da pandemia. Então estávamos todos totalmente isolados e o trocadilho expressa esse tom de se aproximar através da arte. É quase como se fosse um convite.
A capa do disco apresenta uma foto sua em tons de cinza, algo bem intimista e autêntico. Como surgiu a ideia de focalizar o ponto de luz em seu olhar?
R: Não foi algo intencional ou deliberado. Fazíamos a sessão de fotos oficiais do disco aqui em minha casa em Belo Horizonte com a fotógrafa Dolores Orange. O único direcionamento que eu dei pra ela era de que eu queria algo bem natural e íntimo, que captasse um pouco do que havia sido conceber esse disco em meio a pandemia. Em determinado momento, minha namorada apareceu com um prisma de cristal, apenas como uma sugestão despretensiosa para determinada parte da sessão de fotos e em alguns desses cliques a luz ficou focalizada no meu olho. A foto não foi concebida para ser a capa, era apenas mais uma foto que eu usaria na divulgação, mas quando vi essa imagem, eu tive certeza que ela seria a capa de 'Dizperto'. Assim como praticamente tudo nesse processo, foi algo totalmente espontâneo.
Você lançou um clipe de uma das faixas do álbum, chamada “Cigana”, que por sinal ficou muito bacana e convidativo, possui uma ambientação nostálgica e retro. Como foi o processo de gravação do vídeo?
R: o clipe de “Cigana” foi especialmente prazeroso pra mim porque foi minha primeira parceria profissional com minha namorada, Emilly de Almeida. Foi parecido com o processo do disco no sentido que tivemos que nos adaptar às limitações técnicas por conta da pandemia, dos estúdios estarem fechados, de não querermos/podermos envolver muita gente. Sentamos um dia aqui em casa, eu expliquei pra ela que queria algo bem próximo do que ela já fazia em nossas viagens pessoais. Que é basicamente captar momentos com um olhar delicado e editar de maneira a dar liga há tudo aquilo! Gravamos ‘takes’ em minha casa e fizemos uma pequena viagem à Piedade do Paraopeba que é um vilarejo próximo a BH. O que mais me deixou satisfeito é que ele conseguiu passar bem a atmosfera do disco.
Em relação à gravação de 'Dizperto' o que você pode nos dizer sobre o processo de produção considerando que estamos diante de uma pandemia e de quebra ainda temos esse (des) governo que torna tudo ainda muito mais difícil para quem trabalha com arte e cultura, como foi essa experiência para você?
R: Estamos num péssimo momento para a arte no Brasil, no que diz respeito ao fomento. Não é surpresa, não pensei que seria diferente após o resultado da eleição de 2018, mas foi triste comprovar e sentir isso na pele. Além do mais, teve a pandemia e sejamos sinceros, a classe artística foi certamente uma das mais prejudicadas, não só porque dependemos de público e de aglomeração com os shows, mas também porque até onde eu vi, foi das classes que mais respeitaram a quarentena e as medidas de distanciamento. Com várias exceções, mas ainda assim, foi. Mas a arte se alimenta desses percalços, ela é uma ferramenta de aglutinar sentimentos e expressá-los. É um jeito de deixar a realidade menos dura, sublimamos todo o sofrimento através dela. Então, se por um lado temos hoje uma total escassez de recursos, especialmente para artistas iniciantes ou emergente, por outro, 2020 e 2021 foram dois grandes anos para a cena independente com belíssimos lançamentos. E todos eles por artistas que se alimentam de arte e estão ali pelos motivos certos. Os iniciantes e emergentes que só estavam buscando fama e reconhecimento, caíram fora em massa, porque fazer arte no Brasil exige compromisso e persistência. No Meu caso, foi me trancar em casa durante 25 dias seguidos com meu parceiro Yuri Lopes e aceitar que tínhamos que extrair o melhor daquilo, abraçar as limitações técnicas e compensar com o conteúdo. Usamos ótimos equipamentos, amplificadores valvulados e aquela coisa toda, mas ainda assim, é um disco pandêmico gravado em casa. E que eu tenho muito orgulho.
O álbum aponta muitas referências da MPB, Bossa Nova, do Jazz e do Rock dos anos sessenta e setenta, quais os artistas que mais inspiram o Fernando Mascarenhas na hora de compor?
R: As referências que citou como MPB, Jazz, foram apontadas por críticos musicais e acabou saindo em vários veículos dessa forma. Eu achei interessante, gostei, porque é de fato um disco eclético, variado. Mas em nenhum momento, em nenhuma dessas 14 canções eu estava pensando, tipo: “agora um pouquinho de jazz”. Ou “agora algo mais bossa nova”. Acho que o flerte com os vários ritmos se dá ao fato de que amo música e não um gênero em específico. Escuto um pouco de tudo. E o mote para as minhas canções é normalmente algo que eu quero dizer, sempre me preocupo mais com o conteúdo do que com a forma. Disso tudo o que você citou, a única coisa que pensei deliberadamente foi no ano 66 quando os Beatles e os Beach Boys elevaram a música pop ao patamar de arte, pensando o álbum de uma maneira conceitual, com as faixas dialogando entre si. Mas mesmo assim, eu não pensei o disco para ser sessentista ou setentista, isso deixo pros críticos dizerem, pensei como um pedaço de mim que eu ia jogar pro mundo. E pra responder a última parte da pergunta, eu me inspiro muito pelos sentimentos que a música provoca em mim e me influencio por artistas que davam um pouquinho da alma deles de presente pra nós. Em relação à estética, realmente não penso sobre isso no momento da composição. Na hora de arranjar, eu costumo me influenciar por aquilo que eu ando escutando na época.
Em suas redes sociais, você divulgou que está trabalhando em um projeto com uma banda para lançar 'Dizperto' ao vivo, certo? O que você pode adiantar para gente em relação a isso?
R: Sim! Então vou aproveitar a oportunidade e o espaço pra revelar aqui, em primeira mão no Teoria Cultural, as primeiras informações oficiais do projeto. A ideia surgiu como um desdobramento da temática do disco. Com a pandemia minimamente controlada, poderíamos nos dar ao luxo de orquestrar uma situação, com todos os cuidados, para que finalmente pudéssemos dizer algo perto um dos outros, tocar perto, sentir perto. Recrutei grandes amigos músicos daqui de Belo Horizonte, todos eles parceiros de longa data e com currículo invejável. A ideia inicial era fazer uma live e transmitirmos como um show para que as pessoas assistissem no conforto de seus lares. Mais uma vez a espontaneidade entrou em ação, pessoal vestiu a camisa, acho que todo mundo estava sem tocar com frequência há um bom tempo, então todo mundo deu seu melhor e o resultado dessas músicas com banda ficou incrível. Conseguimos superar nossas próprias expectativas, mas isso tomou tempo e agora o ano já está acabando. Então iremos fazer ainda melhor do que a ideia original. Vamos gravar agora em dezembro, no dia 19, a banda tocando ao vivo em estúdio todo o repertório na íntegra e na ordem. Mas ao invés de transmitirmos, que dá mais trabalho e tem margem pra imprevistos e falhas técnicas, vamos deixar o pessoal do estúdio Monkey, daqui de BH editar as imagens e o áudio com calma e fazer disso um vídeo bem trabalhado, com um pouco do making of, algo como os antigos DVDs, a ser lançado ano que vem, pela internet.. A estrutura deles é incrível então decidimos aproveitar as várias câmeras que eles têm pra colher as imagens e também mixar e masterizar o áudio com um pouco mais de calma, o que seria impossível numa live transmitida ao vivo. Mas sem truques de estúdio ou overdub, vai ser de fato a banda tocando o disco ao vivo, só que em estúdio. Então é isso que vocês podem esperar, belas imagens, uma baita qualidade de áudio e 4 amigos tocando dentro do estúdio. Para oficializar a data de lançamento, preciso de um parecer da assessoria de imprensa, então isso ficarei devendo. Mas logo agora, antes do natal, dia 19 de dezembro, nós já vamos gravar e isso já é oficial. Há uma hipótese também, dependendo do resultado, disso virar um álbum oficial da minha discografia, 'Dizperto' ao Vivo. Veremos.

"Arte é o que mantém meu brilho no olho. Arte e as pessoas que eu amo são meu combustível e o motivo de eu querer continuar vivendo. Vivo e respiro arte todos os dias, 24hs por dia. A música é a vertente que mais me cai bem para expressar a mim mesmo e é isso."
Por falar em projetos, o que você tem em mente em relação ao futuro?
R: Pro ano que vem, eu e minha banda estamos doidos pra tocar por aí e acho que o material do 'Dizperto' ao Vivo vai ser um grande cartão de visitas. Pegar a estrada e tocar sempre quando houver gente interessada e respeito às diretrizes da OMS, porque a pandemia ainda não acabou. Tudo dando certo, quem sabe tocaremos até em outros estados. A segunda coisa é que eu já estou pensando sobre meu segundo disco. Estou com uma nova safra de músicas e pretendo, no mínimo, iniciar a pré-produção do disco no ano que vem.
A pandemia está dando uma trégua, pelo menos passa essa impressão. Os eventos estão voltando gradualmente, com “Dizperto” ao vivo, você pensa em levar essas canções para os palcos, visitar outras cidades com seu som? (Claro isso tudo respeitando as normas e medidas de segurança)
R: Sim, como respondi anteriormente. Sempre que houver gente interessada e respeito às normas de segurança, toparemos tocar porque o show está pronto e queremos muito dividi-lo com vocês.
Você sente algum tipo de pressão, até de si mesmo, em relação ao segundo disco? Considerando que “Dizperto” é um grande álbum no cenário da música brasileira, o que você pensa em relação a isso? Sobre a “síndrome” do segundo disco, acha mesmo que tem essa coisa ou não?
R: Obrigado por considerá-lo um grande álbum, fico realmente feliz. Eu vou descobrir isso na pele agora, porque eu nunca gravei o segundo disco. Minha banda Paquiderme Escarlate lançou apenas o primeiro álbum antes de encerrar as atividades e dentro da minha carreira solo, por mais que eu tenha um EP “Ascensão & Queda” de 2015 e alguns singles, 'Dizperto' é de fato o primeiro álbum. Mas por enquanto, no que diz respeito à parte criativa, não me sinto nem um pouco empacado e muito menos estagnado. Suponho que minhas músicas novas estão ainda melhores. Um ponto que pode ter um pouco a ver com isso que você falou é que eu não posso repetir o formulado disco anterior, então artisticamente fiquei um pouco mais ambicioso e tenho composições mais complexas que teriam arranjos com orquestra, com naipe de metais e até com coral. Como sou artista independente, em termos práticos e financeiros, isso pode dificultar. Mas eu estou bem animado e confiante de que nesse meio tempo, a espontaneidade e sincronicidade darão as caras de novo e eu vou saber como prosseguir.
"Tudo o que eu leio e escuto, me influência de certa forma. A arte tem esse fator de se retroalimentar, quanto mais vamos desbravando, mais novas conexões nós fazemos em nossa mente e isso com certeza reflete no trabalho. Sou leitor ávido, desde criança."
O que você tem ouvido e lido no momento? Isso tem influência em novas composições?
R: Tudo o que eu leio e escuto, me influência de certa forma. A arte tem esse fator de se retroalimentar, quanto mais vamos desbravando, mais novas conexões nós fazemos em nossa mente e isso com certeza reflete no trabalho. Sou leitor ávido, desde criança. Durante a pandemia eu diminuí um pouco, pois tinha o hábito de ler sempre no transporte público, então lia todo dia sem exceção. E sempre que eu viajava eu também levava um livro. Com a pandemia tive um pouco de atraso pra entender que eu deveria criar os momentos para ler e não esperar por eles. Esse ano eu li o “Sapiens” do Yuval Noah Harari que é um livro incrível que todo mundo devia ler. Eu li também o livro “Como as Democracias Morrem” que é essencial para entender a ascensão da extrema-direita no mundo e como existe o projeto de enfraquecer a democracia de dentro pra fora. E também reli o “Clube da Luta” de Chuck Pallaniuk que era um dos meus livros favoritos na adolescência e resolvi reler para olhar sob o ponto de vista de hoje em dia, ver o que mudou de lá pra cá no capitalismo selvagem. E, na verdade, só piorou. Tenho escutado muita coisa que me mandam, trabalho de gente contemporânea. Desde o lançamento do 'Dizperto' que muita gente me manda o som deles, recebo quase diariamente bandas me mandando link. Às vezes eu demoro, mas escuto todas, sempre. Dos artistas mais famosos, eu gostei do último do Caetano, escutei algumas vezes e também adorei o do Rodrigo Amarante. E tenho tentado aumentar minha coleção de LP's com artistas do Soul e do R&B. Tenho escutado muito Ray Charles, muito Stevie Wonder, Etta James, Aretha Franklin. Tô fascinado pela Motown e praticamente todos os artistas dessa gravadora.
Em relação à recepção de “Dizperto”, o que você tem achado? E como foi lançar um álbum e não poder toca-lo ao vivo? Isso atrapalhou em algum momento?
R: Em partes, atrapalhou sim. Principalmente no fator financeiro, pois ninguém, a não ser artistas já muito grandes, tem um pagamento razoável com streaming. Por outro lado, eu tive todo meu processo de formatar o show, encontrar a banda ideal e o equilíbrio perfeito com os integrantes, que independente da pandemia, teria me tomado um tempo, caso eu quisesse fazer pensando no melhor resultado e não só no retorno financeiro. Então, como acredito que tocaremos bastante o ano que vem, tivemos um atraso de um semestre. Nem sei se atraso é a palavra porque eu não teria feito um show há 6 meses atrás como sou capaz de fazer hoje com meus parceiros de banda.
Qual o significado da música em sua vida? Além dela, quais outras formas de artes são do seu interesse?
R: Arte é o que mantém meu brilho no olho. Arte e as pessoas que eu amo são meu combustível e o motivo de eu querer continuar vivendo. Vivo e respiro arte todos os dias, 24hs por dia. A música é a vertente que mais me cai bem para expressar a mim mesmo e é isso. Mas as artes estão interligadas e todas as formas me fascinam. Literatura, Cinema, Pintura, Dança, Teatro, fotografia, amo tudo isso.
Finalizando, gostaria que deixasse aqui uma pequena lista com seus artistas favoritos e um pequeno comentário.
R: Sempre que me perguntam isso eu fico quebrando a cabeça, porque a lista é muito grande. Artista favorito, cada época é um, cada momento da minha vida recorro a algum artista diferente. Por isso acabo falando mais dos que mais me influenciaram. E como você disse artistas e não bandas ou cantores, vou abranger outras formas de arte. O movimento Beatnik na literatura. Jack Kerouac em especial, mas todos, Ferlinghetti, Ginsberg e Burroughs também são geniais. Li 'On the road' com uns 18 anos e aquilo mudou completamente minha percepção sobre a vida. Um manifesto à liberdade e uma ode aos desajustados, tudo a ver comigo. (risos) Os artistas Surrealistas. Salvador Dalí, René Magritte, Frida Kahlo. Eles sabiam a importância de sonhar. Elaboravam suas obras trazendo as coisas lá do fundo do subconsciente, outra coisa que mexeu muito comigo e fez parte da minha formação.
A contracultura nos anos 60 e 70. Tudo o que veio dali vale ouro, porque o mote desse pessoal era contestar o status quo, ser inovador, ser vanguardista, revolucionar comportamentos e ter o algo a dizer. Beatles, Stones, The Who, Pink Floyd, Beach boys, Bob Dylan, Neil Young. Aqui no Brasil não ficamos atrás, Mutantes, Secos e Molhados, Milton Nascimento, Clube da Esquina, Raul Seixas, Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso.
Posso ter meus artistas favoritos dentre desses movimentos, mas acho que esses três movimentos, por si só, são importantíssimos para mim enquanto artista.
SOBRE MARCELLO:

Marcello Almeida
É editor e criador do Teoria Cultura.
Pai da Gabriela, Técnico em Radiologia, flamenguista, amante de filmes de terror, adora bandas como: Radiohead, Teenage Fanclub e Jesus And Mary Chain. Nas horas vagas, gosta de divagar história sobre música, cinema e literatura.
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