Historicamente trata de uma sociedade escravocrata que fundamentou o que chamamos hoje de racismo estrutural.
Pai contra mãe é um texto de Machado de Assis que nos toma atenção por diversos motivos. Historicamente trata de uma sociedade escravocrata que fundamentou o que chamamos hoje de racismo estrutural. Com menos ênfase, fala sobre a roda dos rejeitados (assunto que me chama atenção em particular, mas fica pra outro texto) e elabora a condição de uma mãe preta , escrava fugitiva. Para adaptar o texto, o diretor José Fernando Peixoto de Azevedo, já conhecido por trazer à cena assuntos ligados ao racismo, enfatiza a condição do homem branco na sociedade na ótima atuação e entrega do ator Rodrigo Scarpelli.
O protagonista do texto machadiano, escrito em 1906, é um homem branco pobre. E é um homem livre por ser branco. Seu único status na sociedade é a cor da sua pele. Por estar desempregado, seu trabalho informal é caçar pretos fugidios. E assim, a violência toma forma e se mostra emaranhada em toda sociedade racista que o encenador desenha desde aqueles tempos até a sociedade atual, não como uma linha do tempo, mas se utilizando de metáforas e símbolos que apresentam características similares entre um Brasil passado e outro atual.
Mesmo sendo um monólogo, a encenação tem duas participações essenciais o músico Abraão Kimberley, que executa a potente trilha sonora ao vivo e o cinegrafista Fredo Peixoto, que participa do embate com o ator, quase como num duelo, as imagens feitas ao vivo, incrementam e completam a encenação, que até sai da sala de ensaio para a rua. Rodrigo, ator branco, em cena se expõe. Fica nu, se bate, se suja, sai do teatro, corre pela rua enquanto o câmera o acompanha e nos mostra sua encenação pela rua General Jardim.
Ao retomar a cena em que Machado de Assis narra a preta escrava sendo arrastada pelo homem branco pelas ruas na frente de pessoas que agem indiferente ao ocorrido, a pergunta nos força na mente: O que você faria se visse uma mulher preta apanhando na rua? Como você agiria diante das violências, consequências de racismo, machismo e tantas desigualdades?
No final, o ator aponta uma arma para o público. Aquele dia, ele apontou a arma pra minha cabeça. Entrei mentalmente no jogo cênico. Nunca uma arma havia sido apontada pra mim. Violência. Ela está presente em cena em diversas camadas.
Sinopse
Uma peça-ensaio sobre a branquitude ou o terror da violência racial entre nós. Numa cena de rua, o linchamento emerge como rito e expressão de uma dessolidariedade estrutural e estruturante, assombrando uma sociedade regida por um inconsciente escravocrata. No conto, a trajetória de um homem branco livre e pobre, numa sociedade em que o único dado que garante seu estatuto jurídico de livre, diferindo-o de uma pessoa escravizável, estava na cor de sua pele. Em cena, o terror emerge dando a ver o teor próprio da violência racial, em deslizamentos de linguagem entre o cinema e a música.
Serviço
Teatro Aliança Francesa - Espaço LAB'
Data: 28 de julho a 10 de setembro de 2023
Horário: sextas e sábados, às 20h30, e aos domingos, às 18h30
Ingressos: R$60 (inteira) e R$ 30 (meia)
Endereço: Rua General Jardim, 182 - Vila Buarque
Gênero: terror
Lotação: 40 lugares
Duração: 80 minutos
Acessibilidade: elevador
Ingressos: Sympla ou na bilheteria física do Teatro Aliança Francesa
Comments