27 de set.3 min de leitura

Embora confuso, Cuco é um filme excêntrico que mistura diversas analogias entre homem e natureza

Cuco pode falhar em transmitir todas as mensagens, mas traz uma abordagem original e excêntrica ao gênero

Trazendo um pouco de Biologia para essa resenha, o cuco pertence a uma família de aves com uma característica um tanto quando incomum. A mãe deposita seus ovos num ninho de outra espécie. Com um tempo de gestação mais curto, o cuco, ao nascer, derruba os outros ovos do ninho, é alimentado por seus pais ‘adotivos’ até ganhar maturidade e conseguir voar.

Também é capaz de usar outro truque quando o assunto é a sua capacidade de imitação. Frequentemente sendo presa de falcões, o cuco, após atingir certo tamanho, imita os movimentos dos falcões para não ser atacado por eles e também para assustar outros predadores. Resumindo: o cuco é uma ave oportunista e imitadora.

Pensando nessa ave que o diretor e roteirista alemão Tilman Singer cria um filme bem ousado se pensarmos que estamos mais uma vez diante de uma trama onde é preciso juntar as peças para entendermos a intenção e o significado de tudo (e sabemos bem que essa tarefa nunca é satisfeita por completo).

Gretchen (Hunter Schafer) é uma jovem de 17 anos que após perder sua mãe tenta se adaptar a uma nova família. Ela agora vive ao lado do pai Luis (Marton Csokas), de sua madrasta Beth (Jessica Henwick) e da meia-irmã Alma (Mila Lieu). Após se instalarem num resort isolado a pedido de Herr König (Dan Stevens), Gretchen começa a perceber que o local não é tão tranquilo quanto parece.

Difícil não ser absorvido pela atmosfera do filme, sobretudo quando os personagens são apresentados. Resort isolado com densa floresta ao redor? Uma família chegando para se instalar nele? Influência de O Iluminado (1980) de Kubrick, certo? Por sua vez, a figura estranha que persegue insistentemente Gretchen faz lembrar de Corrente do Mal (2014) com Maika Monroe.

Hunter Schafer (série Euphoria) e Dan Stevens (série Downton Abbey) colaboram para um elenco interessante, sobretudo pelos personagens que interpretam. Gretchen tenta se encaixar em sua nova vida familiar, a princípio uma jovem frágil, mas que se fortalece gradualmente na trama. Por sua vez, Herr König esconde algo atrás de seu bom mocismo e sabemos que muito de sua personalidade ainda está por ser revelada.

Inicialmente, Cuco incorpora seus elementos básicos de terror para segurar o espectador. Desde uma visita ao banheiro público com a suspeita de alguém seguindo o personagem até uma solitária pedalada noturna que pode não ser tão tranquila rendem alguns bons sustos. Entretanto, é nos efeitos sonoros que o filme pretende incomodar, inclusive nos gritos e sons que chegam da floresta e cujo significado é revelado durante o andamento da trama.

Outro recurso interessante é a utilização de loops temporais. Eles acrescentam desconforto e angústia em muitos momentos. Esse recurso cai bem para a película até porque parece indicar uma cena mais impactante que está por surgir, além de acrescentar mais teorias sobre o que realmente está acontecendo.

Singer está longe de fazer um terror extremo, foge do Gore e da carnificina. Depois da metade, o filme segue bastante por um clima de mistério e de investigação policial. O Giallo, um gênero cinematográfico e literário italiano muito usado entre 1960 e 1980, capaz de reunir romance policial e suspense, talvez seja outra influência para o diretor.

O filme começa a dar algumas explicações, expandido a história para algo que confronta com temas como Biologia, Darwinismo, preservacionismo, adaptabilidade e até Ornitologia. Claro que nem tudo ficará elucidado para o espectador, sobretudo numa meia hora final agitada e confusa que envolve mais ação e reviravoltas entre os personagens.

Cuco pode não funcionar por completo quando é preciso entender todas as mensagens e simbologias que o filme carrega. Em contrapartida, é uma abordagem interessante para o gênero que acaba até pesando para algo original e excêntrico. Com um elenco eficiente, boa atmosfera e alguns sustos, garante uma sessão num final de semana, embora ainda que incompleta e que poderia ter um potencial a mais.