A grandeza de Bob Dylan nunca esteve em ser compreendido, mas em seguir se tornando aquilo que ninguém esperava

Não tem como começar este texto sem falar dele: Timothée Chalamet assume o desafio de viver Bob no audacioso e corajoso filme de James Mangold. Sim, corajoso! Falar de Dylan e vivê-lo na tela não é para qualquer um. Tanto Mangold quanto Chalamet conseguem capturar um dos momentos mais turbulentos e criativos da cultura pop.
E que bom que eles se aventuraram nessa jornada sonora. O filme de James vai além da paixão por cinebiografias e se torna uma aula introdutória para essa nova geração, além de permitir que os fãs de Chalamet compreendam um pouco da importância desse ícone solitário e visionário, que sempre tem algo contundente a nos dizer em suas canções. E sim, Timothée merecia o Oscar.
O fato é que Bob Dylan nunca foi uma coisa só: poeta errante, gênio esquivo, voz de uma geração — e, ao mesmo tempo, de nenhuma. Desde o início, ele parecia existir em um espaço entre o mito e o homem, entre o que diziam que ele era e o que ele próprio decidia ser. Um Completo Desconhecido — e é justamente aí que entra a charada do filme. Mangold, que também comandou o ótimo Johnny & June (2005), não tenta explicar Dylan. Ao contrário, abraça sua essência mutável e reconstrói um momento específico, quase mítico, de sua trajetória: a transição do folk para o rock elétrico.
Fugindo um pouco daquela velha e manjada característica das cinebiografias, o filme traz um tom mais agradável e um espírito de liberdade. Ao focar em um momento específico da longa trajetória de Dylan, acerta e envolve o público com suas cenas musicais. Não é preciso ser um conhecedor da obra de Bob para mergulhar nessa jornada.

Mangold abre seu filme em 1961, com um Dylan ainda desconhecido chegando a Nova York, carregando uma bagagem de canções tradicionais e ambição desmedida. A Greenwich Village daquela época fervilhava de jovens músicos dispostos a mudar o mundo com violões e versos confessionais. Mas Dylan, inquieto por natureza, não se contentava com rótulos. E é isso que Mangold entende tão bem: “Um Completo Desconhecido” não é apenas um filme sobre um músico, mas sobre um espírito que se recusava a ser definido.
Timothée Chalamet vive Dylan com uma intensidade silenciosa. Ele não imita o músico — e essa é a melhor escolha possível. O que faz é capturar aquele olhar dissimulado, o meio sorriso irônico, a cadência quase musical da fala. Ele canta ao vivo e, embora a comparação com Dylan seja inevitável, sua entrega é autêntica. Não se trata de uma reconstituição exata, mas de uma evocação do espírito do artista.
Um trabalho que durou aproximadamente cinco anos, período em que aprendeu a tocar, cantar e mergulhou profundamente na obra de Bob. Detalhes mais do que suficientes para lhe render o Oscar de Melhor Ator — não desmerecendo Adrien Brody (O Brutalista), que é um baita ator, mas, em um aspecto técnico, sabemos, né? Rsrs.
A virada elétrica, ponto central do filme, é tratada com o peso que merece. Quando Dylan sobe ao palco do Newport Folk Festival em 1965 empunhando uma guitarra elétrica, o filme se permite um instante de caos absoluto. Os gritos da plateia, os acordes cortantes de “Maggie’s Farm”, a fúria dos puristas do folk—é como se o próprio cinema tremesse. Para quem conhece a história, é um momento quase mítico. Para quem não conhece, é impossível não sentir a tensão de um artista desafiando sua própria base de fãs.
O elenco de apoio ajuda a dar dimensão ao cenário. Monica Barbaro interpreta Joan Baez com carisma, uma pitada de mágoa, sedução e esbanja talento ao dar voz à cantora. A trama sugere um relacionamento que era tão artístico quanto pessoal. Edward Norton surge como Pete Seeger, representando a velha guarda que não soube lidar com a guinada de Dylan. Há também outras aparições que enriquecem o retrato da época, como as de Allen Ginsberg e Johnny Cash.
Elle Fanning vive Sylvie Russo, um nome fictício para a primeira namorada de Dylan, Suze Rotolo. Inclusive, é ela quem aparece na linda capa do disco The Freewheelin' Bob Dylan, de 1963. O nome fictício foi um pedido do próprio Dylan para a equipe do filme. Sobre esse detalhe, Elle disse em entrevista: "Ela não era uma pessoa pública, e acho que ele fez esse pedido para protegê-la. E a Suze já morreu, então esse relacionamento continua sendo muito precioso para ele. Ele só queria protegê-la, o que eu achei muito bonito."

Mangold, que já se provou mestre em cinebiografias com “Johnny & June” e explorou a jornada de heróis em desconstrução em “Logan”, dirige “Um Completo Desconhecido” com uma sensibilidade afiada. Ele não tem pressa em explicar Dylan. Em vez disso, observa-o em silêncio, deixando que os momentos falem por si.
No fim, o filme não oferece respostas definitivas. Porque não há. Dylan seguiu em frente, como sempre fez, enquanto o público tentava entender. “Um Completo Desconhecido” nos lembra disso: a grandeza de Bob Dylan nunca esteve em ser compreendido, mas em seguir se tornando aquilo que ninguém esperava.

Um Completo Desconhecido
A Complete Unknown
Ano: 2024
Estreia no Brasil: 27 de fevereiro de 2025
Gênero: Cinebiografia, Drama, Música
Direção: James Mangold
Roteiro: James Mangold, Elijah Wald
Elenco: Timothée Chalamet, Monica Barbaro, Elle Fanning, Edward Norton
País: Estados Unidos
Duração: 141 min
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