Cada faixa tem o poder de fazer o ouvinte perder a noção do tempo e do espaço, envolvendo-o em uma experiência sonora hipnótica
Não tem muito tempo que tive o meu primeiro contato com a banda espanhola de rock psicodélico, Magick Brother and Mystic Sister. Me encantei de forma praticamente instantânea pelo seu disco de estreia de 2020 e que leva o nome homônimo a banda, já ficando ansioso pelo próximo passo do grupo. Como eu não os conheci na época, mas sim, recentemente, esperei pouco, pois em março de 2024 elas lançaram, Tarot, Part I, sua segunda oferta. E para a felicidade dos que gostaram do disco anterior, a banda acertou em cheio novamente.
Tarot, Part I revela novamente a habilidade do grupo de navegar de forma clara e coesa por uma variedade de terrenos musicais. Em seu novo álbum, o grupo demonstra uma destreza notável ao incorporar elementos do rock, folk e música experimental dentro do seu som viajado. Essa fusão de estilos é realizada com bastante precisão e criatividade, resultando em uma sonoridade ao mesmo tempo envolvente e intrigante, repleta de atmosferas oníricas e viagens sonoras que capturam a imaginação do ouvinte.
Vale destacar também a continuidade de uma abordagem nostálgica que já havia sido uma das principais características em seu debut. Eles conseguem trazer à tona a essência lisérgica das décadas de 60 e 70, porém, não se limitando a simplesmente replicar o passado, afinal, eles infundem essas influências vintage com uma abordagem moderna de forma singular, criando uma ponte entre o passado e o presente.
A musicalidade encontrada em Tarot, Part I é, portanto, uma miscelânea de sonoridades multifacetadas. As melodias são construídas de forma hábil e criativa, os trabalhos de guitarra são ácidos e psicodélicos, a seção rítmica soa como um verdadeiro coração que pulsa com firmeza em cada música, enquanto piano, sintetizadores, mellotron e flautas também ajudam de forma brilhante nessa tapeçaria musical hipnotizante, além de serem os principais responsáveis pelo resultado de alguns arranjos complexos e experimentais.
The Fool é a faixa de abertura, um começo de disco muito caloroso e convidativo, onde é fácil perceber alguns acenos à bandas como Alan Parsons Project, principalmente nas texturas sonoras e nas camadas de instrumentação, e The Pretty Things em relação ao seu ar psicodélico. No início do disco a banda já demonstra toda a sua capacidade em tecer influências diversas, mas criando uma tapeçaria musical que é ao mesmo tempo familiar e nova.
The Magician inicia com uma atmosfera espacial, onde uma voz masculina emerge sobre os sons etéreos. A combinação de piano, bateria e baixo cria uma base sólida que guia a faixa para territórios mais psicodélicos até silenciar em uma harmonia atmosférica com teclas viajantes e toques sutis de guitarra. The High Priestess destaca-se principalmente pelos vocais femininos, que evocam facilmente vozes icônicas que lideraram bandas dos anos 60 e 70, como, por exemplo, Steeleye Span ou Jefferson Airplane.
The Empress traz novamente vocais femininos hipnotizantes. Esses vocais envolventes combinados com uma paleta instrumental belíssima, criam uma atmosfera única que poderia ser descrita como uma fusão de folk rock e elementos espaciais. The Emperor é um bom exemplo de como a banda consegue integrar suas influências clássicas com uma abordagem moderna e experimental dentro de uma psicodelia multiforme. The Hierophant começa com deliciosas notas de sitar, que imediatamente evocam uma sensação de exotismo e mistério que estará presente durante toda a faixa. Possui uma sonoridade ácida e ardente que se desdobra de maneira hipnotizante.
The Lover possui um começo atmosférico e onírico, onde o mellotron e os teclados se combinam para criar uma paisagem sonora sublime. Os belíssimos vocais femininos estão de volta, adicionando uma forte camada de expressão e emoção. É uma música fortemente influenciada pela música indiana. The Chariot tem um dos pontos alto da seção rítmica, bateria e baixo trabalham em perfeita harmonia para fornecer um som cheio de groove, enquanto uma das guitarras com wah wah e o órgão se revezam em solos simples, mas extremamente apropriados.
The Justice começa por meio de uma ótima linha melódica de baixo. Aqui é mais um claro exemplo de como a banda consegue criar uma sonoridade acessível e ao mesmo tempo rica artisticamente. Uma espécie de pop jazz com arranjos sofisticados que fazem dessa um dos destaques do disco. The Hermit é uma música instrumental que poderia facilmente aparecer em qualquer um dos discos mais recentes de Steve Hackett. Uma peça mística, que captura a essência de Hackett, enquanto adiciona a própria da banda. A peça é uma boa amostra de como eles conseguem combinar influências clássicas com suas próprias inovações. The Wheel of Fortune é a música que encerra o disco. Possui vocais imaginativos e etéreos que lembram um pouco aos de Donovan, enquanto isso, a música desliza por meio de uma valsa pop psicodélica que transmite uma sensação de nostalgia dos anos 60.
Quando penso em um disco de música psicodélica ou space rock, logo me vem à mente a ideia de uma jornada sensorial e emocional que transcende os limites da realidade. Para mim, um álbum desse gênero é bem-sucedido quando consegue transportar o ouvinte para um estado de contemplação e imersão total, conseguindo colocá-lo em uma situação que faz parecer que estará diante de uma trilha sonora para vivenciar outro plano de existência. Tarot, Part I, é exatamente isso, cada faixa tem o poder de fazer o ouvinte perder a noção do tempo e do espaço, envolvendo-o em uma experiência sonora hipnótica. Desde as texturas vibrantes até as melodias envolventes e as atmosferas etéreas, cada elemento é responsável por trazer uma viagem musical psicodélica única. Baseado no que foi ofertado na parte I, já estou desde hoje ansioso pela parte II de Tarot.
Tarot, Part I
Magick Brother and Mystic Sister
Ano: 2024
Gênero: Rock Psicodélico, Space Rock
Ouça: "The High Priestess", "The Empress", "The Chariot", "The Wheel of Fortune"
Pra quem curte: Vespero, Caligonaut, Mice on Stilts
Comments