Cada peça é um verdadeiro testemunho sincero e expressivo, carregado de emoção e autenticidade.
Apesar de eu admitir que nunca foi um gênero que ouvi de uma forma mais pertinaz, o country americano sempre me encantou com suas tendências distintas, apresentando um conjunto de belas melodias e vozes características. Acho interessante a maneira que o contemporâneo abraça a cultura enraizada na tradição e na consciência do sul dos Estados Unidos. Sob narrativas poéticas de vários grupos e artistas, temas como a vida rural, valores familiares ou somente experiências do cotidiano estão sempre ilustrando as ideias composicionais de quem chama essa parte do país de lar.
Porém, quando falamos de alguém como, Willi Carlisle, a amplitude dos temas pode ser expandida a territórios menos convencionais, mergulhando de cabeça em assuntos complexos e muitas vezes controversos, como a experiência queer e os desafios enfrentados por aqueles que lidam com o abuso de drogas. Sendo assim, sua música que aparentemente possui a mesma estética padrão do gênero, às vezes consegue entregar algo além das fronteiras estilísticas esperada por um ouvinte mais tradicional.
Durante as 10 composições de Critterland espalhadas em cerca de 42 minutos, Carlisle demonstra uma habilidade singular para mesclar as influências do country e do folk tradicional com uma sensibilidade contemporânea e progressista. A ideia não é simplesmente ouvir as músicas despretensiosamente, é passar dos limites do entretenimento, convidando os ouvintes a se engajarem no discurso cultural e considerarem as múltiplas camadas da experiência humana.
Willi pode ser visto como uma fusão magnífica de ideologias modernas com o carisma e a sagacidade dos cantores populares do passado. Sempre demonstrando a sua capacidade de provocar reflexões profundas e criar conexões emocionais, nem que sejam sobre assuntos que vão de encontro a artistas de country mais conservadores - que são a maioria esmagadora deles -, como a sua bissexualidade. Mas apenas esclarecendo, não quero dizer que ele é o único artista dessa natureza dentro da música country americana, porém, se eu fosse citar mais alguns nomes, seriam apenas de mulheres como, Michelle Brook, Bonnie Whitmore, Phoebe Bridgers e Mercy Bell.
O disco inicia por meio da faixa título. O banjo executado com vivacidade e acelerado, além da gaita fazem a introdução de uma peça onde Carlisle traz entre outros temas, o amor e a espiritualidade dentro de uma linguagem poética e simbólica. Dry County Dust possui uma das melodias mais doces do disco, combinando perfeitamente com sua atmosfera emocionalmente carregada em uma abordagem reflexiva e nostálgica acerca da família e a vida como um todo.
The Arrangements, agora visualize alguém que anseia por embarcar em jornadas apenas com seu violão, buscando criar a trilha sonora de sua própria vida. Então essa pessoa abraça a autoaceitação como um lema, enfrentando desafios pessoais – como a perda do pai - com resiliência e celebrando a alegria de ser autenticamente quem é, sem se preocupar com as expectativas do outro. The Great Depression, o violão suave e a voz aveludada de Willi pedem passagem para falar sobre a Grande Depressão em uma profunda reflexão sobre a herança e as lutas enfrentadas pelos antepassados e a importância de honrar isso tudo hoje em dia.
Two-Headed Lamb, aqui os vocais de Willi é acompanhado apenas por um acordeão, enquanto canta uma música cheia de simbolismo e interpretações em aberto, deixando o ouvinte a vontade para absorvê-la conforme suas experiências e perspectivas individuais. Os simbolismos são usados para representar coisas como a morte e anomalias, também traz algo como uma reflexão em relação a estar diante de uma tragédia e imperfeições. Higher Lonesome é um country clássico com muito banjo e violão, em uma mensagem onde a ideia é transmitir um senso de busca por significado e conexão em meio à solidão e à luta contra os demônios internos.
I Want No Children, o banjo soa como uma canção folk antiga e tradicional, enquanto o acordeão cintilante produz uma das harmonias mais bonitas do álbum. Willi canta como alguém que busca pela autenticidade, enquanto desafia as normas sociais tradicionais e que não se preocupa com expectativas externas. Impressionante como Carlisle parece está quase sempre cantando sobre ele mesmo. Jaybird é a minha música preferida do álbum, porém, também é a mais triste. Willi entrega uma peça de sonoridade influenciada no bluegrass, enquanto faz uma ode a um amigo que cometeu suicídio. Essa faixa traz uma reflexão emocional sobre as lutas internas e externas que podem levar alguém a desistir da própria vida.
When the Pills Wear Off, mais uma vez, Carlisle usa de algum tema fora dos padrões da música country e do folk tradicional, o abuso do uso de drogas. Além da instrumentação tradicional, há um belíssimo acréscimo de um arranjo de cordas. Willi explora os aspectos devastadores do vício em drogas, incluindo a perda de relacionamentos, a autocrítica e a constante batalha contra a dependência química.
When Money Grew, não pode ser chamada de música já que Willi só canta em alguns pontos muito específicos, além de não haver instrumentos - a não ser alguns efeitos de fundo. Porém, não deixa de ser arte – e merece uma resenha própria. As variações que Willi usa a sua voz incluem desde um estilo de canto folclórico tradicional até quase rimas rápidas, enquanto que em certas ocasiões, ele articula suas palavras com a delicadeza meticulosa de um poeta, além de outras em que irrompe com a energia vibrante de um líder pastoral.
Abordando os alto e baixos de alguém que escolheu viver fora da lei, o personagem começa falando como iniciou seu envolvimento com a venda de drogas – maconha especificamente aos 16 anos. No local há uma alta demanda, principalmente após guerra às drogas declarada pelo presidente Reagan
Ele detalha como cultivou suas próprias variedades de maconha, utilizando técnicas e sementes específicas para garantir uma colheita de qualidade. Inicialmente, ele operava discretamente, longe da vista do xerife e das autoridades. Eventualmente, ele é confrontado pelo xerife Baker, que em vez de prendê-lo, decide formar uma parceria lucrativa. O xerife ajuda o a evitar problemas legais em troca de uma parte dos lucros do negócio ilegal.
Com o tempo, o negócio cresce significativamente, tornando-se uma operação de grande escala. No entanto, o sucesso atrai a atenção da DEA e outras autoridades federais. Apesar de tentarem continuar a operar, a situação se torna cada vez mais perigosa e arriscada.
Ele descreve como a situação finalmente sai de controle, com a DEA fechando o cerco e a operação sendo exposta. Agora encurralado e sem esperança de escapar das consequências, opta por cometer um ato de desespero, roubando um estabelecimento e esperando ser preso ou morto pela polícia.
No final da "música" ele reflete sobre as consequências de suas ações e questiona se sua história será contada corretamente. Há uma sensação de fatalismo e aceitação de um destino sombrio. Se as nove músicas anteriores sugeriram que Willi é um artista singular, aqui foi a maior confirmação possível.
Após o encerramento de Critterland, uma conclusão que se destaca é a magnitude do legado deixado por Willi Carlisle. Sua contribuição para a música country contemporânea é um testemunho vivo da habilidade de um artista em narrar histórias de uma forma autêntica e cativante. Cada peça é uma entrega sincera e expressiva, carregada de emoção e autenticidade, que toca os corações e mentes daqueles que se permitem abraçar as suas palavras tão bem sobrepostas. Há de se convir que em um mundo onde a superficialidade muitas vezes prevalece, as criações de Willi Carlisle são um lembrete poderoso da importância da verdadeira conexão humana e da capacidade da música de transcender fronteiras e tocar a alma.
Critterland
Willi Carlisle
Ano: 2024
Gênero: Country, Folk
Ouça: “The Arrangements", "Two-Headed Lamb", "Jaybird"
Humor: Bucólico, Reflexivo
Pra quem curte: Meredith Sisco, Zach Bryan, Matt Heckler
NOTA DO CRÍTICO: 9,5
Ouça "Jaybird"
Comments