O primeiro álbum solo de Fernando Catatau (Cidadão Instigado) entrega melodias introspectivas e um tanto airosas. As canções parecem navegar deliciosamente pelo tempo, como se o músico e compositor mergulhasse de cabeça em todas as coisas já feitas em sua carreira, unindo experiência, sentimentos e emoções absorvidas durante a vida. Ele ficou conhecido pelo seu trabalho no Cidadão Instigado e por já ter tocando com variados artistas como Los Hermanos, Otto e Vanessa da Mata.
Umas das suas marcas registradas é o som insólito e irregular que consegue extrair de sua guitarra e podemos ver muito disso, nesse novo trabalho autointitulado. Catatau consegue criar uma atmosfera bucólica e psicodélica, repleta de experimentalismo. Definitivamente não é aquele disco de fácil audição, ele requer tempo e atenção. A recompensa de se entregar de corpo e alma a essa obra impar e cheia de inversões, é flutuar por um mundo feito de sonhos, dores, alegria, solidão e saudades de tudo aquilo que um dia a gente viveu e não demos o devido valor.
A obra de Catatau funciona como uma ligeira elegia aos infortúnios da alma, aquela enternecedora imaginação que pode soar bela e peculiar. Nem tudo na vida pode ser uma simples ficção vista da sua TV. As canções desse disco conseguem transmitir muito da nossa atual realidade, a começar pela bela capa que entrega os reflexos de fragmentos do que se tornou a vida de uns dois anos para cá.
A abertura com “Raios na Imensidão” deixa o sabor bucólico e agridoce do ápice criativo de Catatau, a canção possui guitarras profundas e sintetizadores que conseguem teletransportar o ouvinte para uma outra dimensão. Logo você pode pensar nas paisagens dos discos do Pink Floyd e não se assuste com isso. “Completamente Apaixonado” funciona muito bem como um lindo dueto entre o músico e YMA, juntos conseguem sintonizar inúmeros sentimentos e arranjos extravagantes e incomuns.
Existem pontos de contatos entre as músicas do disco com o autor. Fernando coloca a urgência na opacidade do agora, são ideias e narrativas que podem soar cruéis e adiar ao máximo a compreensão enquanto Catatau nos conduz pelas tortuosas vielas psicodélicas muito bem produzidas na faixa “Os Monstros”, simplesmente você irá entender que “Não Há Mais Nada a Dizer”, o distanciamento emocional aqui, escala ruinas através de dimensões mutáveis a cada mudança de sintonia que a faixa entrega. Ao mesmo tempo, que lembra as melodias do compositor Silva, pode te jogar ladeira abaixo em um disco do Radiohead. O uso de sintetizadores e piano ao longo do disco é algo que sobressai, atrai e instiga cada vez mais a imersão nesse mundo singelo feito de pureza.
É preciso parar para perceber o que acontece ao seu redor. Catatau nos intima a se virar do avesso transformando as nuances em formas e desviando os olhos para o que “Nada Acontece”, faixa embasada por ótimos sintetizadores que ajudam a criar o clima envolvente e sedutor da canção.
Fernando Catatau entrega um disco conciso, impar e melódico. Canções que podem muito bem se vestir de um romance literário sobre ódio, amor, perdão e os modos como nossa intimidade é definida pela barbárie do nosso tempo. Lindo, poético e verdadeiro. Simplesmente ouça e se entregue a essa odisseia melancólica.
Ficha Técnica
Artista : Fernando Catatau
Disco: S/N
Gênero: Rock, Pop Psicodélico
Data de Lançamento: 4 de fevereiro de 2022
Ouça: "Os Monstros", "Raios na Imensidão" e "Nada Acontece".
Para quem curte: Cidadão Instigado e Curumin
Nota: 8,5
Veja o clipe de "Nada Acontece"
Ouça no Spotify:
Sobre Marcello Almeida
É editor e criador do Teoria Cultural.
Pai da Gabriela, Técnico em Radiologia, flamenguista, amante de filmes de terror. Adora bandas como: Radiohead, Teenage Fanclub e Jesus And Mary Chain. Nas horas vagas, gosta de divagar histórias sobre: música, cinema e literatura, e curtir as aventuras do cão Dylan. marce.almeidasilvaa@gmail.com
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