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Foto do escritorTiago Meneses

David Gilmour em 'Luck and Strange' entrega um disco cheio de brilho, profundidade e musicalidade sofisticada

Luck and Strange destaca-se por seu brilho e profundidade, mas não apenas por isso, ele possui uma qualidade especial que ressoa com a sofisticação e o talento de Gilmour.

David Gilmour
Foto: Anton Corbijn


Merecidamente reconhecido como um verdadeiro mestre da melodia, David Gilmour pode ser facilmente considerado uma espécie de paradoxo de si mesmo, sendo um virtuoso que navega perfeitamente entre o sutil e o grandioso. O guitarrista é amplamente aclamado por meio de um estilo que o torna um verdadeiro arquiteto das mais belas catedrais sônicas, além de existir dentro de uma dualidade onde o simples se torna grandioso e o grandioso se desmancha em simplicidade.


Aos 78 anos, David Gilmour continua provando que sua genialidade não está necessariamente ligada à virtuosidade técnica, mas sim, à sua habilidade em criar composições que tocam profundamente a alma de quem as ouve, onde cada nota e acorde são cuidadosamente escolhidos para criar uma experiência intensa e envolvente, onde cada detalhe, por menor que seja, contribui para criar uma atmosfera imersiva, capaz de transportar quem se deixar levar por sua música, para um lugar de introspecção e conexão emocional.


Luck and Strange, 5º disco de estúdio do músico, dentro de uma musicalidade delicada e característica, oferece um trabalho lírico que ajuda refletir sobre o que constitui uma experiência genuína em um mundo saturado de superficialidade, sobre a durabilidade das conexões interpessoais, sobre encontrar significado diante da mortalidade inevitável e da incerteza que permeia a existência humana entre outros, sempre dentro de uma exploração poética e multifacetada desses temas, oferecendo momentos de reflexão profunda e introspectiva. Novamente, quase todo as letras foram escritas por Polly Samson, esposa de Gilmour.



Black Cat, uma faixa instrumental de cerca de um minuto e meio, abre o álbum estabelecendo de imediato o clima característico da música de David. Com sua atmosfera introspectiva e arranjos sutis, a peça oferece uma pequena amostra do estilo sofisticado e inconfundível do guitarrista. Luck and Strange, o blues nunca foi um gosto oculto de David Gilmour, e faixas como essa evidenciam isso. Com apoio das teclas de Richard Wright, é muito bem construída por meio de várias “brincadeiras” de guitarra, enquanto entrega algumas reflexões sobre o tempo.


The Piper's Call é uma composição que Gilmour criou originalmente em um ukulele, dando à peça uma origem curiosa. Começa de forma acústica e suave, com acordes delicados que estabelecem uma sensação íntima, mas logo se transforma, crescendo de maneira gradual até culminar em um solo carregado de intensidade emocional. Novamente, é possível sentir uma atmosfera de blues. Uma música que atenta aos perigos que é o de cair nas promessas vazias de soluções rápidas


A Single Spark apresenta uma atmosfera mais melancólica em comparação com as faixas anteriores, mas essa tonalidade sombria encaixa-se perfeitamente com a temática lírica, que reflete sobre a fragilidade e a efemeridade da vida. Mais uma vez, um solo de guitarra brilhantemente executado se destaca, adicionando camadas de profundidade e realçando extremamente bem com o seu tom reflexivo.


Vita Brevis é um breve interlúdio atmosférico que funciona como uma ponte delicada para a faixa seguinte. Between Two Points traz uma colaboração familiar, com Romany Gilmour nos vocais e harpa, enquanto Gabriel Gilmour, seu irmão, contribui com o vocal de apoio. A voz suave e etérea de Romany, combinada com a atmosfera celestial da música, preserva a aura contemplativa da versão original dos The Montgolfier Brothers. No entanto, a inclusão da guitarra melódica e inconfundível de Gilmour adiciona uma nova camada emocional, enriquecendo a interpretação com sua marca clássica.


Dark and Velvet Nights apresenta uma letra adaptada de um poema que Polly Samson escreveu para Gilmour em um de seus aniversários de casamento. Liricamente, a canção explora a busca por um refúgio seguro na intimidade compartilhada, refletindo sobre como símbolos externos, como uma simples aliança, são frágeis e incapazes de capturar plenamente a profundidade de uma conexão verdadeira. Musicalmente, a faixa se destaca por sua sonoridade mais robusta e densa, contrastando com a delicadeza da mensagem, mas reforçando o peso emocional do tema.


Signs conduz o álbum de volta a uma sonoridade suave e serena, proporcionando um momento de tranquilidade após uma faixa muito mais intensa. A música é construída com arranjos delicados e envolventes, criando uma atmosfera de paz e contemplação que permeia toda a composição, enquanto é feita uma bonita reflexão sobre o amor, a perda e a luta para manter algo tão genuíno em um mundo cada vez mais caótico.


Scattered é a faixa do álbum que mais se assemelha ao som do Pink Floyd. Com belos arranjos de piano e orquestrações cuidadosas, a canção é enriquecida por um Gilmour em plena forma, tanto no violão quanto na guitarra. Na parte final, ele entrega um solo intenso, pesado e cheio de fervor. Liricamente, simbolismos abordam a luta humana contra a passagem inevitável do tempo, refletindo sobre a impotência diante desse processo cabal e incontrolável.


Yes, I Have Ghosts, lançada originalmente em 2020, entrou no disco como uma das duas faixas bônus. Tem a participação de Romany na harpa e vocais de apoio que casam perfeitamente com a voz de David. É marcada por um violão de timbre sofisticado e que adiciona um sutil toque folk, além de acentuar a profundidade emocional da música que fala sobre como o peso das experiências e relacionamentos passados pode persistir, moldando e assombrando nossas vidas atuais de maneira persistente.


"Lucky and Strange (Original Barn Jam)", a outra faixa bônus do álbum, tem uma duração de quatorze minutos, e como o título sugere, é uma jam improvisada da faixa título do disco. Gravada originalmente em 2007, a faixa conta com a participação de Richard Wright, trazendo novamente um toque nostálgico ao som. Embora a influência do blues seja evidente, a execução da faixa possui uma sonoridade que se inclina mais para um jazz moderno cheio de leveza. Enquanto é mostrado toda a habilidade dos músicos em criar um ambiente sonoro sofisticado e envolvente.


Em Luck and Strange, David Gilmour demonstra um equilíbrio sutil e sofisticado, que serve como um reflexo profundo de sua habilidade musical refinada e sua vasta experiência como artista. Cada faixa é uma prova da profunda destreza de Gilmour em combinar texturas sonoras complexas com uma sensibilidade melódica única. Do começo ao fim, o álbum revela uma maturidade musical impressionante, com arranjos muito bem elaborados e uma execução impecável.



Quando Gilmour afirmou que Luck and Strange é o seu melhor trabalho desde Dark Side of the Moon, é provável que ele estivesse considerando fatores além dos puramente musicais, incluindo aspectos pessoais e contextuais que influenciam sua visão artística. No entanto, se a questão for exclusivamente na dimensão musical, minha avaliação diverge dessa declaração. Porém, Luck and Strange destaca-se por seu brilho e profundidade, mas não apenas por isso, ele possui uma qualidade especial que ressoa com a sofisticação e o talento de Gilmour. Isso faz com que a partir de agora, eu o enxergue como seu melhor disco solo.

 

Luck and Strange

David Gilmour


Ano: 2024

Gênero: Art Rock, Musica Ambient

Ouça: "Luck and Strange", " Between Two Points", "Scattered"

Pra quem curte: Richard Wright, Roger Hodgson, Alan Parsons



 

NOTA DO CRÍTICO: 9,0

 

Ouça, "Scattered"


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