Este não é daqueles álbuns que se dispõem de rodeios para entregar sua essência.
Crizin da Z.O. representa uma colaboração artística notável entre os cariocas Cris Onofre e Danilo Machado e o paranaense Marcelo Fiedler. Mas antes de prosseguir com a resenha propriamente dita, gostaria de me justificar caso haja alguns equívocos. Por que estou falando isso? Porque embora minha admiração pelo álbum seja nítida, não posso simplesmente ignorar que estou em territórios quase desconhecidos e embora meu entusiasmo seja genuíno, talvez a minha familiaridade com o contexto sofra alguma limitação, tendo dificuldade inclusive para definir o gênero musical do grupo no final do texto.
Acelero é um álbum de energia intensa e pulsante, de atmosfera envolvente, de cadência frenética e exuberante, onde seus ritmos vibrantes se entrelaçam cuidadosamente entre eles, estabelecendo assim uma espécie de ambiente onde ficar parado parece ser a última das opções. Tudo soa como se a fusão das experiências individuais, influências profundas e habilidades singulares dos três artistas envolvidos, se revelasse como um elemento essencial na criação de uma sonoridade distintiva. A convergência desses fatores não apenas evidencia a riqueza musical, mas também estabelece a identidade única do projeto.
O disco se destaca por ser uma obra bastante concisa, com suas 14 faixas distribuídas em apenas 35 minutos. Este não é daqueles álbuns que se dispõem de rodeios para entregar sua essência, muito pelo contrário, há uma entrega franca e assertiva desde o momento em que o ouvinte aperta o play. Em contraste com alguns registros musicais que podem demandar um gosto adquirido para serem apreciados, Acelero funciona de uma maneira inversa, abrindo duas possibilidades, ou o ouvinte é imediatamente envolvido e abraçado por suas faixas, ou percebe de imediato que a oferta musical não atende sua demanda. Acelero entrega uma abordagem direta e impactante, fazendo que o ouvinte emerja em um testemunho musical de natureza autêntica, além de abordagem coerente e notável, enquanto que estabelece entonações corajosas que se apresentam em cada uma de suas músicas.
Os temas abordados em Acelero são diversos. O Fim Um é a música de abertura e que por meio de batidas funk misturadas com música eletrônica e até pinceladas de riffs pesados de guitarra, além dos usos de gutural, o grupo expressa um clima de tumulto, insatisfação e conflito, ressaltando os desafios enfrentados pelas pessoas e indicando uma postura resistente. De Repente possui algumas batidas tribais, vocais profundos e graves e até o uso de violino – não sei se de forma manual ou emulada - dentro de um conteúdo que esmiuça temas que aborda o tempo, espaço, tecnologia e a atmosfera urbana.
Demônio do Rio da Prata, não sei se foi feito de maneira intencional, mas consigo sentir aqui a mesma vibração instrumental da música anterior. As batidas são viciantes e funcionam como uma fusão entre o orgânico e o eletrônico, enquanto isso, há uma miscelânea de expressões sentimentais, tais como, notações e vivências em relação ao tempo, além do cotidiano nas cidades e interações sociais. Festa da Carne traz uma batida clássica, característica dos funks que animam os bailes, porém, a essência tradicional do funk é mesclada com tonalidades mais obscuras dando a música um clima envolvente e emocionalmente carregado. Uma celebração sincera à cultura e suas diversidades presentes na vitalidade efervescente dos subúrbios, com a lente voltada essencialmente nas festividades e eventos públicos das comunidades.
Território traz uma abrangência ilustrativa de um aglomerado de reflexões e raciocínios que transcendem uma única esfera de significados, convidando o ouvinte a explorar matizes intrincadas da existência. Possui uma base rítmica robusta e impactante, além de cadência sólida, tendo como resultado mais uma ótima expressão artística. Domingo, começa por meio de uma batida percussiva que vai emergindo aos poucos, então um impacto acontece e a paisagem sonora ganha intensidade, deixando a música mais envolvente e dançante. Com esse espírito, o grupo captura a essência da vida na cidade grande em uma narrativa lírica que aborda desde questões cotidianas até algumas reflexões mais complexas em relação ao indivíduo inserido em um ambiente urbano diversificado.
O Fim Dois, como o nome sugere, é uma sequencia da faixa que abre o álbum. As batidas aqui são mais contidas, enquanto a guitarra, que na primeira eu já achei pesada, aqui eu senti quase uma homenagem ao Black Sabbath – Iron Man pra ser mais exato. Ao mesmo tempo que é introspectiva diante de pensamentos e sentimentos íntimos, digamos assim, a narração se expande por meio de uma análise sagaz sobre os impactos e desafios decorrentes dos avanços tecnológicos cada vez mais imersos na vida cotidiana. Acelerado é a que encerra o álbum. Possui uma entrega percussiva manualmente ostensiva, mas também batidas programadas que contribuem para a composição do grave. A paisagem sonora ao fundo vai além da experiência musical, criando uma espécie de cenário industrial imaginativo. Uma abordagem multifacetada que envolve ao mesmo tempo, ponderações próprias e análises sociais.
Enquanto eu escrevia, foram muitas as vezes que me vi envolvido involuntariamente balançando a cabeça e os ombros. Além disso, ainda que eu não tenha decorado nenhuma das letras de suas músicas - sou péssimo pra isso -, elas foram a trilha sonora de alguns dos meus dias por meio do meu cantarolar espontâneo. Essa conexão sensorial intensa evidencia a habilidade excepcional do álbum em criar uma experiência sensitiva, impactando não apenas os ouvidos, mas também estimulando o corpo e a expressão vocal.
Acho que também vale mencionar, que apesar de eu não falar sobre todas as músicas, o que faz parecer que exista dentro do álbum pontos fortes e fracos, todas as faixas possuem os seus méritos próprios e força individual, sendo isso, fundamental para que haja a existência de uma coesão que caracteriza Acelero como uma obra tão homogênea. Uma abordagem equilibrada e consistente que só confirma a excelência atingida pelo grupo.
Um álbum que me agarrou pela gola, apontou o dedo pra minha cara e me lembrou que às vezes eu preciso explorar territórios que vão além dos limites da minha zona de conforto musical. Pulsante e de atmosfera convidativa, Acelero é rico na esfera musical e lírica. Com suas inúmeras reflexões feitas com sagacidade, o álbum entrega uma notável diversidade de sentimentos, proporcionando uma experiência musical que não apenas desafia os limites convencionais, mas também ressoa de maneira profunda e emocional.
Acelero
Crizin da Z.O.
Ano: 2024
Gênero: Hip Hop Industrial, Música Eletrônica, Funk Carioca, Rap
Ouça: "O Fim Um", "Domingo", "O Fim Dois", "Acelerado"
NOTA DO CRÍTICO: 9
Ouça "O Fim Dois"
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