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Cristina Buarque, a voz discreta que guardava o samba com devoção, morre aos 74 anos

Artista deixa um legado silencioso, mas gigante — daqueles que não gritam, mas ecoam para sempre

Cristina Buarque
Foto: Reprodução / Capa do álbum ‘Cristina’, de 1981

Cristina Buarque nunca buscou o centro do palco. Preferia estar ali no canto, onde o samba se forma, onde o canto é comunhão e não vitrine. Morreu neste domingo (20), aos 74 anos, vítima de um câncer contra o qual vinha lutando há algum tempo. A notícia foi confirmada pelo filho, Zeca Ferreira, pelas redes sociais. E se Cristina não gostava de holofotes, talvez nem quisesse tanto alarde agora. Mas é impossível não reverenciar quem fez tanto, mesmo em silêncio.



Filha de Maria Amélia e irmã de Chico, Cristina trilhou um caminho próprio. Foi ao lado de Paulo Vanzolini, em 1967, que ela deu seus primeiros passos na música — e já com samba no pé e alma na voz. No ano seguinte, cantou com Chico Sem fantasia, mas nunca usou esse parentesco como escada. O que ela queria era outra coisa. Queria cantar Manacéa, Cartola, Noel, Dona Ivone, Ismael Silva. Queria dar voz ao que andava esquecido. E conseguiu.


Seu primeiro disco, lançado em 1974, já mostrava a que vinha: garimpar joias do samba tradicional e apresentá-las com respeito, cuidado e muita entrega. Cristina tinha uma voz pequena, mas uma escuta gigante. Era dessas artistas raras, que cantam para servir à canção — e não ao próprio ego. Foi ela quem revelou ao Brasil Quantas lágrimas, obra-prima de Manacéa, e quem gravou Esta melodia antes de Marisa Monte sequer pensar em estúdio.


A discografia de Cristina é um santuário para quem ama o samba de raiz: Prato e faca (1976), Arrebém (1978), Vejo amanhecer (1980), Cristina (1981), Resgate (1994)… Tudo feito com coerência, sem concessões. Em 1995, passou a assinar Cristina Buarque, ao lançar com Henrique Cazes um álbum dedicado a Noel Rosa. Não por marketing — mas porque, como ela mesma dizia, “todo mundo já sabia”.



Cristina foi influência silenciosa para gerações inteiras. Marisa Monte, Mônica Salmaso, Teresa Cristina… Todas beberam daquela fonte. Mas mais do que influência, ela foi guardiã. Guardava o samba com o cuidado de quem sabe que aquilo ali não é só música. É história. É identidade. É alma coletiva.



Ela se foi num domingo de Páscoa. Quase como quem pede licença para partir com leveza. Mas Cristina fica. Fica nos discos. Fica no respeito. Fica em cada roda de samba onde uma antiga melodia ressuscita. Fica onde sempre quis estar: no fundo do palco, mas no centro do que importa.

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