top of page
Foto do escritorMarcello Almeida

Como The Midnight Gospel definiu nossos tempos modernos com espiritualismo, filosofia e sagacidade



Voltando um pouco no tempo, conseguiremos compreender como as animações voltadas para um público adulto começaram a ganhar notoriedade. E vamos direto para novembro de 1989, quando surgiu os Simpsons, abordando temáticas sobre o cotidiano de uma família suburbana de Springfield de forma bem-humorada e fazendo sátiras à realidade americana, envolvendo temas como violência, bebidas alcoólicas e diálogos inteligentes. Foi o pontapé para os desenhos animados chamarem a atenção de adultos.


Com uma linguagem inapropriada para menores e enredos fora do convencional, seriados como os Simpsons, South Park e Beavis and Butt-Head, com todas as “baixarias” que se tem direito, fizeram subir a audiência de canais pagos. Foi algo que se estendeu e influenciou o desenvolvimento de novos conteúdos dentro desse universo. Em 2013, chegou Rick & Morty fazendo umas viagens meio malucas no tempo-espaço e por universos paralelos, abordando problemas com bebidas alcoólicas. E agora, em 2020, estamos diante de The Mindnight Gospel e sua temática sobre vida e a morte.


CRIANDO A SÉRIE


A ideia inicial de criação da série surgiu quando Pendleton Ward, conhecido por Hora de Aventura, se encantou com os conteúdos emanados dos programas de Podcast do comediante Ducan Trussel, que por entrevistas dialogava com pessoas sobre assuntos filosóficos. Foi exatamente através desse princípio que Ward teve a ideia de transportar os Podcasts de Ducan para uma animação voltada para um público mais adulto, com a abordagem de assuntos como existencialismo, morte, drogas, sexo, política, magia e espiritualismo.


Ward, que já havia encerrado os trabalhos de produção de Hora de Aventura, passou a trabalhar na construção da série. No início, Ducan foi um pouco resistente com a ideia, mas o contexto de dar vida ao podcast através de uma animação para tratar de assuntos mais polêmicos e sérios de uma forma engraçada e cômica, o pegou de jeito.


Em 2018 o projeto começou a sair do papel. Ward adaptou uma conversa do podcast sobre dependência química, para uma animação, onde o convidado de Trussel enfrentava um exército de zumbis. Mais tarde, levaram esse conceito da série para Mike Moon, chefe de animações adultas da Netflix. Com o sinal verde aceso, os dois reuniram uma equipe de aproximadamente cento e noventa pessoas e começaram a trabalhar na produção dos episódios que estrearam no dia 20 de abril deste ano.


O ENREDO


Mindnight Gospel acompanha Clancy Gilroy (Ducan Trussel), ele possui um espaço-cast, uma espécie de podcast transmitido do espaço. Ele vive em um planeta isolado e mora dentro de um trailer, onde usa um simulador de realidade virtual para visitar outros planetas à beira da morte. Em cada viagem, ele adota um corpo diferente, uma espécie de avatar, sempre com o mesmo objetivo: encontrar entrevistados para seu espaço-cast. As entrevistas são o elemento chave para elencar o potencial da série.


Clancy e entrevistado discorrem sobre temas variados. Os diálogos são intensos, sem interrupções, sem se importar com o caos que permeia ao redor. É esse o clima que permeia todos os episódios, que utiliza um plano de fundo psicodélico que muda de forma e cor constantemente. Isso às vezes faz até o espectador perder o rumo dos diálogos, e embarcar em uma viagem nostálgica e psicodélica de cores vibrantes. Pega carona em Yellow Submarine dos Beatles e em certos momentos adentra em uma viagem visceral de uma obra do Pink Floyd.

A série possui características próprias, cria um cenário coberto por uma atmosfera de paz e autoconhecimento. A morte está presente praticamente o tempo inteiro. O tema é tão recorrente que na entrevista do sétimo episódio sua aparição é tratada de forma natural.

Os planetas estão à beira da extinção. E é diante desse cenário apocalíptico que Clancy conduz suas entrevistas, extraindo diversas informações enquanto ele e seu convidado caminham por cenários que criam uma espécie de efeito alucinógeno. É nesse universo psicodisléptico que se seguem os oito episódios.


TEMAS E EPISÓDIOS


The Mindnight Gospel faz uma narrativa com diversas metáforas, abordando temas como: magia, meditação, espiritualismo, morte, perdão, uso de drogas e doutrinas budistas. As entrevistas de Clancy são realizadas com convidados inusitados.


No primeiro episódio, um filosófico debate com o personagem Glasses Man, presidente dos Estados Unidos, vivido pelo Dr. Drew Pinsky, médico californiano especialista em vícios. O uso de drogas e a dependência química são os temas abordados de forma crítica e com uma austeridade de gente adulta, enquanto enfrentam um exército de zumbis. Como se fosse a própria terra em uma versão pós-apocalíptica. O segundo episódio começa com híbridos de cães-veados mutilando palhaços de bebê, com Clancy em uma forma de galinha com pés de cobra, conversando com Anne Lamott e Raghus Markus.


Clancy visitando um planeta aquático e batendo um papo sobre magia e a busca da iluminação com um peixe chamado Darryl, vivido por Damien Echols, que ganha a forma de um peixe que vive dentro de um aquário, é o terceiro episódio. Em 94, Echols foi acusado de assassinar três crianças e foi condenado a pena de morte, mesmo sem provas e evidências concretas. Sua sentença foi baseada no seu interesse por magia e ocultismo.


Clancy vai parar em um planeta medieval por total engano e acaba conhecendo Truddy que está em uma missão de vingar a morte de seu amado. O episódio conta com a participação de Trudy Goodman, PhD em psicoterapia. Os assuntos sobre ocultismo e magia ganham mais notoriedade no quinto episódio, que se passa em uma prisão para seres simulados e rebeldes. O episódio é uma reflexão sobre a realidade e existência.


No sexto episódio Clancy precisa lidar com problemas do mundo real, quando seu simulador apresenta um erro operacional. Ele acaba conhecendo um mestre de meditação. Um personagem fundamental para evolução interior do entrevistador. David Nichtern é compositor, letrista, criador de trilhas sonoras e professor de budismo. Um episódio que se aproxima muito da realidade.


Após uma viagem entediante Clancy vai parar em outro mundo e acaba ficando cara a cara com a morte. Um episódio cheio de reviravoltas com a participação de Caitlin Doughty uma blogueira, autora, youtuber e agente funerária que ganha a forma da própria morte no episódio. Um diálogo profundo e filosófico sobre a aceitação da morte e a reformulação das indústrias funerárias.


No encerramento, Clancy e sua mãe fazem uma viagem nostálgica e emocionante pelo incrível ciclo da vida e morte. O episódio chave para encerrar a primeira temporada e quanto menos você souber melhor. A convidada da vez é a própria mãe de Ducan Trussel, que faleceu em 2013.


VALE A PENA VER?


O melhor de The Mindnight Gospel são suas reflexões abordadas de forma inteligente com dosagens de humor e um cenário psicodélico. A arte envolvida na criação de cada episódio é maravilhosa. As cores e a mudanças delas, no decorrer dos episódios entregam cenários nostálgicos como uma bela e peculiar moldura psicodélica para dar ênfase aos diálogos dos personagens. É nesse contexto geral que The Mindnight Gospel consegue se tornar uma das grandes surpresas deste ano.


Pode-se até achar que a série seja infantil por trazer o nome Hora da Aventura de fundo, mas não se deve deixar levar por isso, Pendleton Ward e Ducan Trussel criaram algo extremamente fora do contexto. É uma série adulta pelos temas e assuntos profundos e tocantes abordados de forma leve e meio louca, mas compreensível e revitalizante.


Quem gosta de Rick & Morty pode se envolver com aspecto apresentado, mesmo a ideia sendo contrária. The Mindnight Gospel é mais complexa e densa, Rick & Morty é mais descontraída. Os diálogos de Clancy e seus convidados podem ser côncavos até mesmo para adultos. Mas a naturalidade que eles acontecem e a forma muito calma e serena torna algo lindo e bonito de se ver. A série se resume em uma enternecedora metáfora alucinante, repleta de cores e sentimentalismo sobre a vida e a morte.

 

Ficha Técnica:

Gênero: Animação, Aventura, Comédia

Temporadas: 01

Duração: 30 a 40 minutos

Direção: Mike L. Mayfield e Pendleton Ward

Roteiro: Mike L. Mayfield, Duncan Trussell, Pendleton Ward, Meredith Kecskemety e Brendon Walsh

Elenco: Phil Hendrie, Duncan Trussell, Joey Diaz e Doug Lussenhop

Data de Lançamento: 20 de abril de 2020 (Brasil)

Censura: 18 anos

Avaliações: IMDB | Rotten Tomatoes

Onde ver: Netflix

Nota: 8,5


 
 

Confira o trailer abaixo:


 

Texto originalmente publicado no Urgesite em (4 de junho de 2020)


611 visualizações0 comentário

Comments


bottom of page