Cada faixa de Diamond Jubilee parece tão crucial, tão vital para a narrativa geral, que cortar qualquer parte do disco comprometeria sua integridade.
Cindy Lee, é um pseudônimo usado por Patrick Flegel. O projeto é um mergulho profundo e distintivo nos limites da música e da expressão artística. Flegel, anteriormente membro da banda Women, conhecida por suas contribuições ao gênero art punk no Canadá, encontrou-se numa encruzilhada criativa e pessoal após o trágico fim da banda. O falecimento de Christopher Reimer, talentoso colega de banda, em 2012, foi um golpe devastador que certamente impactou a trajetória musical de Flegel. Sob o pseudônimo Cindy Lee, Flegel adota uma abordagem musical que incorpora elementos - entre outros - do pop barroco, do noise rock e da música lo-fi, criando uma atmosfera sonora melancólica.
A estética visual de Cindy Lee também merece destaque, frequentemente explorando temas de feminilidade, androginia e horror psicológico, que se interligam de maneira complexa com as camadas sonoras da música. Esta escolha de pseudônimo e persona, permite a Flegel explorar identidades e expressões que talvez fossem restritas em formatos mais convencionais de performance musical. A cada trabalho, Flegel reinventa suas expressões criativas de maneira profunda e tocante, desafiando os ouvintes a entrar em um mundo que pode ser visto como perturbadoramente belo.
Seu álbum mais recente, Diamond Jubilee, é um trabalho duplo que se destaca como um marco importante na sua trajetória artística. Com 32 faixas e mais de 2 horas de duração, o álbum propõe uma viagem ambiciosa. Ele explora uma ampla gama de estilos e experiências sonoras, proporcionando uma fusão de atmosferas distintas, que oscilam entre o etéreo e o intenso. Se trata de uma obra multifacetada e que pode atingir o público em diversos níveis, mas sempre apresentando uma experiência auditiva rica e cativante.
Ainda sobre a sua longa duração, Patrick parece não ter medido esforços para que não houvesse nenhuma gordura em meio as suas mais de três dezenas de músicas. Cada peça foi cuidadosamente bem composta para se encaixar perfeitamente no contexto do álbum, contribuindo para a sua atmosfera imersiva. Isso acaba impedindo que o álbum caia na monotonia, mantendo o ouvinte envolvido e intrigado. Também aponta mais um ponto bastante positivo em relação a Flegel, demonstrando não só sua destreza técnica, mas também sua capacidade de contar histórias e evocar emoções através da sua música.
Infelizmente, em um cenário dominado pelos serviços de streaming e suas playlists que incentivam audições superficiais e imediatistas, lançar um disco com essa extensão pode não ter sido a decisão mais acertada. Mas embora o atual cenário possa favorecer audições superficiais e instantâneas, ainda há um público significativo que valoriza a profundidade da música. Para esses ouvintes, um álbum como Diamond Jubilee pode representar uma oportunidade de se envolver profundamente com a arte, explorando suas camadas e nuances ao longo do tempo.
Uma das coisas que mais me atraem na música, são aquelas obras que conseguem ser incrivelmente ambiciosas sem cair na armadilha da pretensão. É como se elas simplesmente fluíssem e acontecessem, e ao mesmo tempo, sua grandiosidade se construísse de forma tão natural que é impossível não se deixar levar. Cada faixa se desenrola de uma maneira tão coesa e envolvente, que acaba transformando a audição em uma experiência que é um testemunho de algo verdadeiramente extraordinário. Assim, a música se torna mais do que apenas sons, mas uma expressão sublime da criatividade humana.
A influência do folk e até mesmo da música country americana em Diamond Jubilee adiciona uma camada adicional de textura e profundidade ao álbum, complementando os estilos mais esperados, como o noise pop, no wave, pop psicodélico, lo-fi e indie rock. Essas influências podem ser sutis, mas ainda assim se destacam, enriquecendo a paleta sonora do álbum e acrescentando uma dimensão emocional interessante.
O álbum traz em seu conteúdo acenos a praticamente todas as décadas da música desde os anos 60, mas em momento algum se embaralha em sua própria ousadia, muito pelo contrário, sua coesão apenas transmite um impacto de autenticidade e comoção pura. Não há esforço consciente para imitar ou seguir tendências; em vez disso, o álbum parece acontecer organicamente por meio de uma visão criativa única de Patrick, onde a partir disso, consegue soar em forma de uma espécie de celebração da riqueza e diversidade da música.
O talento de Patrick Flegel é realmente notável, sua habilidade em criar músicas que são simultaneamente cativantes e enigmáticas é brilhante. Por meio de Diamond Jubilee, ele demonstra não apenas sua destreza como compositor e músico, mas também, sua capacidade de criar uma atmosfera misteriosa e envolvente, que mantém o ouvinte todo o tempo intrigado e surpreso conforme o disco avança rumo ao desconhecido, mostrando cada um dos seus lados do seu conteúdo multifacetado.
Não tem como deixar de falar também da produção. O clima sombrio que permeia a produção do disco é uma escolha artística que se revela bastante apropriada. Essa atmosfera sombria adiciona uma profundidade emocional e uma intensidade dramática às músicas, mergulhando em um universo sonoro repleto de mistério e melancolia. Além disso, esse clima contribui para a coesão do álbum, unificando as faixas em uma narrativa sonora bem ajustada, fazendo com que cada uma de suas músicas encaixem perfeitamente dentro desse contexto.
Por fim, citei a duração do disco algumas vezes e suas 2 horas realmente podem ser um problema para alguns ouvintes, mas sinceramente, não tem como deixar mais conciso aquilo onde tudo soa como essencial. Cada faixa de Diamond Jubilee parece tão crucial, tão vital para a narrativa geral, que cortar qualquer parte do disco comprometeria sua integridade. Do começo ao fim, sinto-me ser levado a um espaço emocional e sonoro que simplesmente não seria possível em um formato mais curto. Diamond Jubilee é uma exposição franca do talento de Patrick Flegel.
Diamond Jubilee
Cindy Lee
Ano: 2024
Gênero: Pop Psicodélico, Noise Pop, Indie Rock, Lo-Fi
Ouça: “Glitz”, “All I Want Is You”, “Always Dreaming” “Governmente Cheque”, “Golden Microphone”
Pra quem curte: Women, Bar Italia, Dean Blunt
NOTA DO CRÍTICO: 10
Ouça "Diamond Jubilee" na íntegra
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