"Every time you talk, you mumble, grumble"

O punk sempre foi sobre energia, urgência e autenticidade. E poucas bandas da atualidade carregam essa tocha com tanta fúria e fervor quanto o Amyl and the Sniffers. Em Cartoon Darkness, seu terceiro álbum, os australianos não só mantêm a brutalidade visceral que os tornou uma das bandas mais eletrizantes da cena, como também mostram um olhar mais introspectivo, sem perder a essência barulhenta e caótica que os define.
A turnê do disco, que inclui uma passagem explosiva pelo Brasil, confirma que a banda está no auge – tanto criativa quanto performaticamente. Amy Taylor segue como a líder de um culto desvairado de riffs, suor e berros. E, no palco, ela é uma tempestade – esbaforida, cuspindo versos como se fossem manifestos. E não chega a ser absurdo dizer que esse pode, sim, ser o melhor show que o Brasil verá este ano. Rsrs.
A capa do disco já demonstra muito bem a identidade da banda e o estilo despojado, espontâneo e urgente, detalhes que caracterizam as músicas do grupo. São letras ácidas e debochadas, com aquele certo humor sarcástico, que ganha ainda mais expressividade com a energia propulsiva de Amy. Ela é um furacão e passa rebentando tudo pela frente. Ao vivo, então, é pura energia e combustão.
O punk sem freio ainda está lá – mas algo mudou
O disco abre com “Jerkin’”, e não poderia ser diferente. Dois minutos de um riff martelado, sem firulas, com Taylor cuspindo: “You’re an asshole”. É uma introdução que reitera o DNA da banda – uma trilha sonora perfeita para um moshpit em chamas. Mas, ao longo do álbum, a fúria dos Sniffers começa a dividir espaço com reflexões sobre fama, sucesso e identidade.
“U Should Not Be Doing That” tem um groove de baixo pulsante e até um saxofone esfumaçado, algo raro para a banda, mas que funciona perfeitamente. A faixa parece um manifesto contra críticos que insistem em dizer o que a banda deveria ou não fazer. “Eu estava em LA, tremendo minha merda”, canta Taylor, antes de zombar dos haters que ficaram em Melbourne reclamando de sua ascensão.
“Pigs” segue a mesma linha, mas com ainda mais deboche. Taylor se coloca como a roqueira que “está vivendo o sonho molhado”, enquanto responde com desdém aos que duvidaram dela. O gostoso e atraente em Cartoon Darkness é justamente essa conexão entre uma faixa e outra, naquele estilo direto e enérgico. Uma canção vai puxando a outra, e o ouvinte mergulha de cabeça nessa paulada sonora: frenético e impulsivo.
Mas nem tudo aqui é sobre mandar os críticos se foderem. Em “Tiny Bikini”, Taylor toca em um tema pessoal e universal: a hipersexualização da mulher no palco. “Eu sei que tecnicamente é meu espaço, mas sou a única aqui de biquíni”, canta, questionando os olhares sobre sua imagem.
Já “Doing in Me Head” tem uma das letras mais afiadas do disco, abordando o impacto corrosivo das redes sociais. Enquanto a banda destrói tudo no instrumental, Taylor desabafa sobre a pressão e a exposição constante.
Olhando além da tempestade

A grande surpresa do álbum vem com “Bailing on Me”. Quem conhece o Amyl and the Sniffers sabe que um violão acústico em uma de suas músicas é quase uma heresia. Mas ele aparece aqui, e o resultado é uma faixa que, mesmo sem perder a aspereza, soa mais vulnerável e melancólica.
Outro destaque é “Big Dreams”, uma música sobre ambição e fracasso, guiada por uma guitarra temperamental e arpejada. É um dos momentos mais introspectivos da carreira da banda, e mostra que eles não têm medo de expandir suas fronteiras sonoras.
Por outro lado, “Me and the Girls” resgata a verve mais debochada do grupo, com Taylor escrachando os caras que passam o dia jogando Xbox e não fazem nada da vida. É aquela pancada típica do Amyl and the Sniffers – rápida, barulhenta e impossível de ignorar.
Uma banda que não quer se repetir
Cartoon Darkness não é um disco que revoluciona o punk rock. Mas ele mostra uma banda consciente de suas limitações e que, em vez de apenas repetir a fórmula que os tornou famosos, busca expandi-la sem perder sua essência.
Ao vivo, essa nova fase se traduz em um show ainda mais intenso. No Brasil, a banda provou que, independentemente de mudanças sutis no som, a energia continua lá. Amy Taylor continua sendo uma das vocalistas mais viscerais do rock atual, e os Sniffers seguem como uma locomotiva desgovernada, atropelando tudo pelo caminho.
Se o punk está vivo em 2025, muito disso se deve a bandas como o Amyl and the Sniffers. E Cartoon Darkness é a prova de que eles não vão parar tão cedo.

Cartoon Darkness
Amyl and the Sniffers
Ano: 2024
Gênero: Punk Rock
Ouça: "Jerkin", "Tiny Bikini", Me and the Girls
Humor: Provocativo, explosivo, Enérgico
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