Sim, é preciso alertar que o filme é tenso, podendo até causar náuseas em espectadores mais sensíveis
ATENÇÃO: O TEXTO CONTÉM ALGUNS SPOILERS!
Seria mais um dia normal na vida dos moradores de um prédio na França. Entretanto, eles descobrem que a edificação está cercada por uma estranha, escura e inexplicável névoa que absorve tudo ao seu redor.
Não há como fugir, não existe saída para o mundo externo, os habitantes estão acuados sem entender o que é esse evento. Sem encontrar uma solução ou mesmo uma abertura para fugir da névoa, o jeito é manter-se confinado no prédio, pois essa é a única alternativa que lhes garante proteção e sobrevivência.
É dessa forma que A Torre do Inferno (La Tour, 2022) começa. Sem explicações sobre o aparecimento da névoa, se valendo apenas de um único ambiente (o interior do prédio) e com muita agitação e correria logo no início, o roteirista e diretor francês Guillaume Nicloux desenvolve sua narrativa que se influencia bastante em filmes como O Nevoeiro (2007) e Ensaio Sobre a Cegueira (2008).
Oferecendo pontos de vista através de seus distintos personagens, o espectador precisa estar preparado para algo aqui: não é a névoa que vai lhe aterrorizar, e sim, a mudança brusca no comportamento dos habitantes que agora passam a criar grupos, separações e regras próprias.
Problema que é exatamente em sua melhor virtude que o filme peca. Interessante criar dezenas de personagens e não separar mocinhos e vilões, afinal, todos que estão ali desejam sobreviver em meio a fraquezas, medos e inseguranças. Entretanto, a constante alternância da situação dos habitantes faz com que a narrativa acabe embaralhada, caótica e cansativa, deixando o espectador um tanto quanto apático a alguns dos personagens.
Apesar disso, há de ressaltar a importância das metáforas para o filme. Se a névoa devora todos que ousam lhe atravessar, também somos devorados pela crueldade humana que não poupará crianças, bebês, grávidas e idosos. A escuridão que envolve o prédio é a mesma escuridão que infesta a alma dos habitantes, sobretudo aqueles que não medirão esforços para continuarem vivos.
Quando se pensa que o filme foi lançado logo após a pandemia de Covid, ele passa a ser ainda mais cruel e assustador. Pois aqui estamos falando de confinamento e é posto em xeque o próprio comportamento humano diante de situações tão complicadas e que dependem da participação de cada um.
Algumas vezes são momentos assim onde percebemos a verdadeira índole de algumas pessoas e sentimos como a humanidade se perde em ações hediondas e egoístas. Exclusão, preconceitos, segregação racial e a força bruta para prevalecer sobre o mais fraco passam a ser mais frequentes. Sob esse aspecto, o filme de Nicloux se sai muito bem, chegando ao ponto de nos deixar inquietos de tantas passagens contundentes e polêmicas.
Sim, é preciso alertar que o filme é tenso, podendo até causar náuseas em espectadores mais sensíveis. Ele vai abordar diversos artifícios para representar o cenário cruel e desolador do prédio: feitiçaria, assassinatos, mutilações, racismo, ofensas, brigas, degradação, hipocrisia. Esse é um cenário que bebês e animais podem agora servir de alimento e o canibalismo passa a ser uma opção para continuar vivo (ainda bem que o diretor não mostra cenas explícitas de canibalismo).
A Torre do Inferno é um filme capaz de aterrorizar logo nos primeiros minutos. Contudo, vem carregado de muitas ideias e mensagens que acabam desconectadas entre si. A falta de coesão de certas cenas ofusca muito uma narrativa que seja toda agradável do início ao fim.
Talvez esse seja o tipo de produção adequada para uma série? Podemos pensar que sim. Dessa forma, trabalhar de forma mais rebuscada a perspectiva de cada personagem, explicar mais detalhadamente o desenvolvimento dos grupos e coordenar melhor as ações do tempo dentro do interior do prédio ofereceria um aproveitamento mais íntegro da história.
A Torre do Inferno
La Tour
Ano: 2023
País: França
Gênero: Drama, Terror
Direção: Guillaume Nicloux
Roteiro: Guillaume Nicloux
Elenco: Hatik, Jules houplain, Angèle Mac, Félix Kysyl
Duração: 89 min
NOTA DO CRÍTICO: 5,0
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